As clarinhas de Fão partilham o claustro
É
frequente ouvir dizer-se controlar a rotunda. Considero muito acertado, já que
é mesmo isso que provoca na nossa mente.
A
partir dos anos 80 do século passado, o país abraçou a ideia de ter abundantes redondéis,
cujos diâmetros variegados se encontram em estradas, praças, quarteirões,
entroncamentos, centros históricos, subúrbios, cidades, vilas e aldeias.
As
mais antigas têm árvores, placas toponímicas de pequena dimensão, em forma de
Tê, com caracteres negros.
Hoje,
transformam-se num petisco para a imaginação dos autarcas e suas parcerias com o
mundo das artes.
Por
norma, deixam-se engalanar com símbolos, vai-se ver; identitários,
gastronómicos, monumentais, históricos e aquela categoria indefinida e de
resultados mais enigmáticos chamada “outros”.
Se
é linear o leitão na Mealhada, os frangos na Guia, a porca em Murça, as ovelhas
em Fátima, o galo em Barcelos, o cavalo em Alter, as pipas em Pegões, o barco
no Furadouro, a nora em Tomar, já nalguns casos, o desafio à imaginação
ultrapassa o razoável.
De
há uns anos para cá, este exercício de observação passou a ser um vício que me
impede, muitas vezes, de usufruir a viagem. Ora me apetece parar em riscos
contínuos por ser o melhor ângulo para fotografar, ora me entusiasmo com a
ideia de escrever, naquele momento, para a Câmara a perguntar o significado de
estátuas, bocados de ferro, pedaços de pedra esculpida, murinhos encavalitados,
ora me torturo em revisões de matéria sobre ícones locais. Não aconselho
ninguém a percorrer estes insondáveis caminhos.
Por
outro lado, não é de agora que localidades, que não pertencem aos amêndoa
canela de ovo e açúcar, exibem brasões de pacotilha em variações heráldicas
recentes, ainda a cheirar a cueiro. Os pampilhos de Santarém a lembrar os
campinos, os albicastrenses concentrados no gentílico, as estrelas de Seia pela
grande serra e outros tantos, do Minho ao Algarve, mai’los arquipélagos.
Viseu,
que já tinha posto em tabuleiros esse herói da mitologia lusitana, transformado
em triângulo doce, olhe, faz favor embrulhe-me meia dúzia de viriatos, serve
agora umas bolas de massa fina e estaladiça com recheio de ovos moles e amêndoa
a que dá o nome de Rotundinha.
Depois
de se reproduzirem a um ritmo alucinante, depois de se enfeitarem ó prá mim
tão, mas tão identitária, tão, mas tão culta, tão, mas tão veja lá se adivinha,
saltam para montra de pastelaria, qual burguês deixa lá ver se compro um título
nobiliárquico e ponho as filhas no convento.
As
clarinhas de Fão partilham o claustro.
Por
esta não esperava.
Maria João Forte é Socióloga
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