Invisível

3.
(continuação)
— Você acha que eu posso ser amigos com você? — perguntou o sapo, ainda um pouco tímido.
— Depende. O que você tem de legal?
— Uma barriga que emite luz. Olha.
O sapo jogou a cabeça para trás e exibiu sua barriga redonda. Estava dourada, uma pequena lanterna.
— É legal… — disse a Sofia ainda na dúvida, observando.
O sapo virou-se de costas para a Sofia e iluminou o caminho à frente. Era uma luz fraca, só permitia
ver os próximos passos.
Eles não falaram mais nada, e continuaram caminhando. O sapo agora ia à frente, era um sapo de abrir
caminhos. Pequenos caminhos.
Seguiram para dentro da árvore em silêncio.
— Como você ficou assim? — perguntou a Sofia, depois de algum tempo.
— Como você ficou assim? — perguntou o sapo.
— Por que você acha que isso aconteceu com a gente?
— Talvez porque ficamos muito tempo sozinhos. — disse o sapo.
— Talvez…
— É, talvez.
— Por que você quis ser amigos comigo?
— Não sei, eu pensei que… não, mas eu não sei. Eu estava triste. Eu estou quase sempre triste. Talvez
seja porque eu sou muito úmido. Mas não sei dizer.
Parou e sentou errado, para conseguir abaixar a cabeça e olhar a própria barriga. Parecia tirar alguma
satisfação pessoal dela. Era algo seu, só seu. A luz dourada girava lentamente.
A Sofia sentou-se também na frente dele, observando. Levantou um dedo para encostar na barriga
do sapo, para ver como é que era. Ploc. Era fria.
— O que a gente faz agora? — perguntou Sofia. E abriu a mochila que trazia consigo.
Tirou a sereia de plástico. Colocou-a para sentar ao lado deles — para ver se isso mudava um pouco
as coisas. Mas ela só ficou ali parada, estranha e dura. Os dois olharam para ela por um instante e
depois não mais. Sofia guardou-a novamente na mochila.
— Que mais? — perguntou o sapo.
— Eu estou com fome.
— Dentro dá árvore não há comida para você. Você tem que sair dela.
— Eu não sabia que dava para sair da árvore. Já tinha até me esquecido que a gente estava indo
para algum lugar, aqui é um bom lugar para ficar um pouco triste. Dá vontade de continuar.
— É só virar à esquerda.
— Como assim?
— Para sair da árvore. É só virar à esquerda. A gente esteva indo reto esse tempo todo.
— Do lado esquerdo fica o lado de fora?
— Sim.
— E à direita?
— Não sei.
A pequena Sofia pegou a sereia de plástico, guardou-a na mochila, pegou a mochila e se levantou.
Disse ao sapo:— Mais legal do que ter luz dentro de si, é deixar a luz passar. Eu vou te ensinar. Quando
eu voltar, eu vou te ensinar. Sofia deu um passo à direita e saiu da árvore. Viu-se, de repente, ao ar livre,
sentiu o vento bater em seu corpo. À sua frente, havia um campo aberto. Ao lado, um penhasco que dava
para o mar. Decidiu se sentar primeiro no penhasco e olhar o mar, olhá-lo até o fundo — ficou sentada,
olhando até o final do mar. Então percebeu que o céu azul era da mesma cor que o mar azul, e que olhando
bem no fim, não dava para ver onde um começa e o outro acaba. Focou o olhar nesse ponto onde os dois se
confundiam e deslizou de tontura para trás, caindo deitada de costas no chão. Olhou para cima e viu o mar
em cima dela. E o céu e o mar ficaram girando à sua volta. O dia estava claro, mas era outro dia, outro tipo
de claro. Agarrou o chão com as mãos para se certificar de que ele ainda estava lá. Suspirou, e pôs-se de pé.
Algumas vacas pastavam logo ali, do outro lado do campo. A árvore continuava às suas costas, estava
carregada de frutas.










Sofia Nestrovski nasceu em São Paulo, em 1991. Cresceu no meio do milharal dos Estados Unidos, voltou para São Paulo mais tarde. Faz mestrado sobre o poeta William Wordsworth na Universidade de São Paulo, dá cursos sobre Shakespeare, assina uma seção semanal sobre palavras no jornal Nexo, escreve resenhas para a revista Quatro cinco um. Também luta Kung Fu, mas não muito.

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