Invisível
3.
(continuação)
Fechou os olhos e segurou-os fechados por alguns instantes, como se soubesse o que fazer. Não sabia. Quando abriu, percebeu que, de imediato, as paredes voltavam a dançar à sua frente, mas muito rapidamente seus olhos se acostumavam à visão e a imagem ficava parada. Então tentou mais uma vez. Fechou os olhos e abriu bem rápido e a parede se mexeu. E mais uma vez.
Agora, era como se a parede estivesse se mexendo com algum propósito, e a cada vez que a Sofia fechava e abria os olhos, a parede andava um pouco mais para trás, abrindo espaço dentro da caverna de árvore. Sofia deu um primeiro passo, ainda curto, e se certificou de que era aquilo mesmo o que estava acontecendo: a árvore estava abrindo caminho para ela. Continuou em seu exercício: fechando os olhos e reabrindo-os rapidamente, e fechando-os de novo para que a imagem não tivesse tempo de se acostumar consigo mesma — para que ela não tivesse tempo de congelar. O ar estava frio, e seus pés começavam a afundar no chão de lama. Ela acelerou o passo. Fechou e abriu os olhos mais vezes, agora com mais urgência. Precisava saber até onde podia ir. A árvore ia cedendo, e a Sofia ia seguindo pelo corredor escuro que se abria à sua frente.
Quando parou para olhar para trás, já não conseguia mais ver por onde tinha entrado, já estava tudo tão distante. Mas era melhor seguir explorando do que voltar, então ela continuou. Não sabia para onde estava sendo levada, e depois de um tempo, no escuro e no frio, começou a ter medo. Então cantou para si mesma sua música preferida, a do comercial de salsichas:
Oh, I wish I were an Oscar Meyer Wiener
That is what I’d truly like to be
‘Cause if I were an Oscar Meyer Wiener
Everyone would be in love with me.
E ficou mais calma, pensando no afeto que tinha por aquele comercial. Que grande surpresa que foi ouvir essa música pela primeira vez, quando passou na televisão. Ninguém na sua casa a entendia, e a escola era só tédio, e um dia de repente ela ouviu aquela canção e ficou paralisada — existiam outras pessoas no mundo que sabiam como ela se sentia. Tudo bem que era uma salsicha essas outras pessoas.
Continuou cantando e andando em frente. Já não se sentia mais tão sozinha. Seus passos iam marcando o ritmo na lama enquanto ela cantava sua canção.
Shlop shlop shlop
Shlop shlop shlop, faziam seus pezinhos.
Ela seguia andando, árvore adentro, no escuro.
Shlop shlop shlop
Shhhcrolóp lop crop
Crshlóp clop clop
Croc shlop croc shlop croc shlop croc shlop croc shlop croc
Ela de repente parou, com os dois pés juntos — SHLOP.
Mas logo continuou aquele outro croc croc croc croc croc croc croc croc croc.
— Ei, isso não está certo.
....croc croc croc....
— Quem está aí?
— Finalmente! — Disse um sapo úmido, pulando à frente — estou te seguindo há todo esse tempo.
— Mas por quê? — Perguntou Sofia, indignada.
— É que eu adoro essa música. — Disse o sapo, abaixando a cabeça de vergonha.
— AQUI DENTRO PEGA TV?
— Hê hê hê... — sorriu o sapo, olhando-a de baixo para cima.
Sofia olhou em volta e não via mais nada, só a escuridão, a lama e o sapo. Nenhuma TV.
— Você acha que eu posso virar amigos com você? — perguntou o sapo, ainda um pouco tímido.
(to be continued)
(to be continued)
Sofia Nestrovski nasceu em São Paulo, em 1991. Cresceu no meio do milharal dos Estados Unidos, voltou para São Paulo mais tarde. Faz mestrado sobre o poeta William Wordsworth na Universidade de São Paulo, dá cursos sobre Shakespeare, assina uma seção semanal sobre palavras no jornal Nexo, escreve resenhas para a revista Quatro cinco um. Também luta Kung Fu, mas não muito.
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