Mata-Borrão
Arroz doce
Todos de branco, como na comunhão solene. O arroz, a
água, o sal da pitada.
No fervedor, objecto maneiro, asado, de bico discreto,
convivem Goa, Damão e Dio. Porventura, o chapéu do Infante e as gengivas dos
homens com escorbuto. A nau, escura, cheira à carga que lhe pesa nos porões e
luta com as ondas, vem morrer na espuma e volta a enfrentar a tempestade. É
também do império o sol que se põe, ainda sem chegar a terra. A cozinha já
cheira a canela e a limão, agora vidrado, que o gume não lhe roubou a polpa.
No tacho, os bagos perdem compostura, engordam, riem,
encostam-se uns aos outros. Beberam muita água, ficaram naquele disparate. Hão-de
agora querer o império que ferve. A nau já perdeu o astrolábio e o sol quase
derrete no horizonte que se faz e desfaz com a colher de pau.
As gemas dançam entre os arames da vara, frenéticas.
Não chegam a talhar com a colher do preparado. Mal seria deitá-las a elas,
todas perliquitetes em amarelo, na massa a borbulhar. Que com papas e tolos se
enganam os bolos.
Chega a hora do açúcar, dos engenhos de seiscentos,
exemplo de sociedades esclavagistas em aula, privilégio de mesas reais,
congestão de diáconos, mimos a que os hábitos chamaram coisas inomináveis:
gargantas de frade, toucinho do céu, maminhas de freira, caralhinhos de S.
Gonçalo, orelhas de abade.
E aquele tafetá desdobra-se no balcão da loja. Mole e
espesso cobre o côncavo da taça-prato-travessa. Do barro, da porcelana, do
vidro.
Enfeita-se com canela, agora pó. Em abertos e fechados
– ó mas tão longe da Joana Vasconcelos - em pintas simétricas, em riscos
paralelos, em espiral, em M e D, que ele é Manuel e ela Deolinda.
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