Mata-Borrão
Festivais sem glúten
Os
autarcas envergam calças verdes e rasgadas nos joelhos, camisa encarnada e
gravata amarela de seda coiso. Repetem buédatípico de minuto a minuto, são
jovens. Dão formação aos artesãos presentes, bem como aos vendedores das
tendinhas, tasquinhas, mostrinhas, banquinhas. Recomendam produtos sem glutén e
sugerem trajes regionais aos vendedores. Eles próprios colocam aventais de
Viana na tendinha do Algarve, safões na banquinha do Minho, ouro no peito das
mulheres na mostrinha da Damaia.
Toda
a planificação está a seu cargo. Isto representa trabalho, dedicação,
investimento, conhecimento da cultura local, respeito pelas origens. Em suma,
empreendedorismo.
A
ideia da animação
O visitante
pisa uvas, amassa pão e colhe azeitonas, enquanto medita. Pá, isso é tipo
impossível. Um gajo medita como? Não vamos pôr uma arruada de manhã à noite?
Aqueles gajos, bem conversados, inda nos fazem tipo a campanha.
A
ideia da divulgação
Vem
muita gente de fora. É preciso é a SIC. No telejornal, com um pivot aqui ao pé
da malta. Paga-se-lhe a pernoita na residencial Pérola. Bora ser criativos. O
puto do Antunes andou a estudar cartazes, MarKeting, topas? Ó sô presidente,
dá-se-lhe um estágio e está feito. Pá, o software é comigo.
A
ideia do comboio.
Cada
carruagem com forma de barrete de campino, a máquina, uma cabeça de touro,
fados a embalar os passageiros. O percurso dura uma hora e vai parando nos
sítios antigos. Sítios antigos? Sim, no chafariz. Atão, mas agora é o
mini-mercado. Na casa de pedra. Atão, mas o gajo que comprou aquilo já deitou
abaixo. No largo da feira. Atão, isso é estacionamento. Na tasca do Zé. Atão,
só lá se come amburgas. Na ribeira. Atão, cheira boédamal.
Pá,
cum caraças, só se for o cemitério.
A ideia de conjugar
artesanato com gastronomia
O
visitante é convidado a barrar um prato de barro, acabado de fazer pelo oleiro,
com açorda de tomate. A seguir, para poder sentir as texturas, trinca-o e
delicia-se com a explosão de argila no palato. Pá, atenção à ASAE.
A
ideia da Slow food
Três
horas são passadas a ouvir narrativas tradicionais cuja explicação é que aquela
couve foi colhida pela avó da própria avó, não se sabendo bem de quem. A somar,
mais duas horas com o vegetal em água fervente e outras tantas para o caldo
esverdeado ser reduzido e degustado, contando o comensal de 1 a 10 entre cada
colher. Pá, onde é que leste isso?
A
ideia do sustentável
Depois
de uma manhã a assistir à tosquia dos ovinos, o visitante cobre-se de
requeijão. Já irreconhecível, mastiga um pedaço de lã e imerge na ruralidade.
Vomitando, é certo, mas imergindo. Pá, eu não faço.
A
ideia de tudo natural
Olha
lá, Sequeira, fala-se com o engenheiro e arranca-se esta parte com asfalto. A
malta gosta é de furar pneus. Fartos de asfalto estão eles. Pá, vai por mim.
A
ideia da longevidade
Pomos
os velhos à entrada, agarrados à placa com o nome da aldeia. O resto do pessoal
não sai de casa. Pá, vais ver as selfies a chover.
Maria João Forte é socióloga.
Bem que gostava que fosse tudo uma brincadeira, um exagero sem cabimento. Faltaram ainda assim umas ideias: a ideia do património imaterial da humanidade uma vez que isso do livro de recordes parece ter passado de moda; faltou o SPA vínico (uma das personagens do Vasco Santana já falava em ir fazer uma cura de águas para o Cartaxo) e faltou a degustação das tripas "gourmet".
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