Mata-Borrão
Nasceu-me uma oliveira
E
chegando, anunciou que se fizesse em mim a sua vontade. Nasceu-me então uma
oliveira.
Por
muito ter vivido, a memória tornou-se fragmentada, contudo, intensa e
persistente.
Guardei
as vagens negras de alfarroba, envernizadas e muito tristes, lágrimas de um
jurássico não datado, roídas nas bocas das mulas, dos burros, dos cavalos, nas
mós dos homens.
Guardei
figos, como um pastor que não sai do seu lugar. Via o sol que os secava. Pingos
de mel mirrados, servidos em bandeja no Olimpo. Deles se fazia queijo ou flores
de pétalas recortadas e corolas resistentes, nem sempre amargas. Amêndoas essas
transformadas em vapor no inferno do alambique, gota a gota. O cobre, ainda com
restos de medronho, a cuspir águas ardentes.
Guardei
a cal, lambida pelas osgas, que me vestia e nascia em fornos, na serra, onde
havia javalis, raposas e coelhos.
Guardei
a paciência das mulheres em cestos de empreita.
Guardei
o sabor do xerém, comido a partir dos bordos do prato, salvando a língua do
calor. O travo salgado do toucinho na manta aveludada da farinha de milho.
Guardei
o medo dos lobisomens, amantes sazonais dos caprichos da lua. Aquele vizinho,
afinal tão igual aos outros quando era dia.
Arrancaram-me
as telhas, uma a uma. Ofereceram-nas, uma a uma também, aos turistas que,
encantados, lhes pareceram muito típicas.Maria João Forte é socióloga
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