Mata-Borrão
Sedon
Poder-vos-ia falar do Minho pitoresco se a pena fosse novecentista.
E então, sim. Então os viras, os ouros das mordomas, as contas, os cordões, as
arrecadas, os relicários, os corações invertidos, as chinelinhas de verniz, os
coletinhos ajeitando o colo roliço, que não há moçoilas como as do nosso Minho,
as malgas cheias de verde tinto, que o branco ainda não se dava a conhecer, as
esfolhadas de milho - rei, o linho que se planta, se arranca, se esmaga, se
espadela, se doba, se fia, se tece em toalhas de altar ou em lençóis
pecaminosos de noite primeira ou segunda porque verdade, verdadinha, aquilo no
milheiral foi no que deu. Talvez até na romaria, as noites ao relento, os
velhos a dormir.
E então, sim, os jardins encantadores revolvidos a arado e a
bois de grandes cornos, um pouco amarelos, mansos. A bem ver, minifúndios
talhados a bisel. Quantas vezes a sachola afiada depois da ida à bruxa a
confirmar o mau olhado, o mal querer, o mau vizinho do jardim encantador. E
elas diligentes, à espera de notícias vindas do lado de lá do mundo, S. Paulo,
Rio de Janeiro. E uns chegariam de terno e sapatos brancos, mandando construir
uma casa nunca vista de tão grande, maior, muito maior que a dos senhores,
porque alta e de beirais com ferro às voltinhas. E outros não chegariam nunca,
viúvas ainda quase por casar, tão cedo se meteram nos porões, rasgada a
fotografia ao meio pois a outra metade havia de vir na carta, mal o correio
desse sinal.
Poder-vos-ia falar do Minho típico se a pena andasse ali por
40. E então, sim. Magras elas, magros eles, a dançar no Verde Gaio em palcos de
Lisboa. As ermidas das aldeias mais portuguesas de Portugal, os ranchos
folclóricos na voz cava de Pedro Homem de Melo, o galo de Barcelos ainda
forjado por oleiros, a cantar cartazes na madrugada do turismo, tão longe ainda
de transformações em cortiça, papelão, chita de alcobaça, companheiro de Santo
António, ele próprio em tons feéricos ou só azul-clarinho. Em procissão de
sardinhas onde o figurado já esqueceu a chaminé algarvia e a ceifeira
alentejana.
Poder-vos-ia falar do Minho das minhas férias, se a pena saísse
deste Agosto da Graça de 2017. E então sim. Então muitos seriam os retratos que
dele trago. Nas lojas de souvenir, as
malgas dizem vinho verde, espreitei-lhes o outro lado a ver se dizia sem
glúten. Os lenços de namorado estão nas montras das farmácias, das mercearias,
das sapatarias, das ourivesarias e das pastelarias. Todavia, aqui vos deixo
dois. Estando eu numa piscina de um local silencioso, de sol gentil depois de
névoas abençoadas, começo a ouvir missa. Uma braçada e o evangelho, duas
braçadas e o começo da homilia, três braçadas e o meio da homilia, quatro braçadas
e o fim da homilia. Agora de costas. Ide em paz e o Senhor vos acompanhe. Pode
parecer ficção, pode. Mas não foi. A festa era a dois quilómetros e os
altifalantes funcionavam muito bem.
O outro momento é a transcrição ipsis verbis de uma fala feminina, quem
sabe neta do primeiro Minho que aqui referi. Pus-me a beber binho e fiquei com
um sedon.
Oferecida, esta palavra medieva,
sinónima de ressaca, há lá outra que melhor descreva essa sede arcaica. Sedão
vem de sede, aumentativo muito sábio, mas no Minho é sedon, Devendo ler-se
seduõe. Acrescentou, noutro momento, que ele há quem o faça congelado, agora
que o sarrabulho quer sanguinho fresco, lá isso.
Maria João Forte é socióloga
Maria João Forte é socióloga
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