Ofício Perigoso
O QUE É UM LIVRO BOM?
Que outras coisas são essas, também não é difícil perceber. Existem profissionais e amadores dos estudos literários cujo pensamento respeitamos e com cujo aparato crítico contamos na nossa formação de leitores exigentes. Se eu gosto de um livro e várias mentes brilhantes corroboram esse meu gosto, então é quase certo ser aquele um livro bom e não apenas para mim. Um livro que passa as provas mais exigentes.
A partir daqui torna-se fácil perceber que há livros bons de que não gostamos: são aqueles que a crítica ilustre considera bons mas que a nós, individualmente, não nos entretiveram nem deleitaram.
O deleite intelectual, que pode ou não integrar o nosso entretenimento, é uma forma de prazer. E os prazeres cultivam-se, crescem, sofisticam-se. Aquele que foi um livro bom para nós há vinte anos provavelmente já não o é, e é até bom que o não seja.
Há ainda que contar com uma certa parvoíce que idolatra a dificuldade porque vê nela uma medida para a genialidade artística. Essa forma de masoquismo eu, por exemplo, rejeito. Um livro que me esforcei por compreender e não compreendi é, para mim, um livro mau.
Assim, um livro pode ser bom e mau ao mesmo tempo, e de várias maneiras.
1. Pode ser bom porque gosto dele e mau porque a crítica de referência não gosta dele.
2. Pode ser bom porque gosto dele e a crítica de referência também.
3. Pode ser mau porque não gosto dele e bom porque a crítica de referência gosta dele.
4. Pode ser mau porque não gosto dele e a crítica de referência também não.
Ou seja, um livro bom é como areia movediça. Os chamados “cânones” são, também eles, movediços e, nos tempos da grande divulgação, permeáveis a modas e interesses.
Talvez se recordem de umas tabelas (não sei se ainda existem ou não) que criavam um leque de perfis de sexualidade. Numeradas de 1 a 10, ao número 1 correspondia, por exemplo, o perfil inequivocamente heterossexual e ao número 10 o perfil absolutamente homossexual. No meio, nuances e em vários graus, nenhum absolutismo.
Lembrei-me disto porque acho que é tal qual com os livros.
Por fim, e mesmo antes de vos chamar ao debate, afirmo: há muitíssimos livros bons na literatura de segunda mas não há livros bons na má literatura.
Que vos parece?
Ajudem-me a pensar. Obrigada.
Fernanda Mira Barros
19 de Agosto
ReplyDelete19 de Agosto de 2021
Delete5 ANOS
Para mim um livro bom é um livro que me desperta emoções, não importa quais.
ReplyDeleteAreias movediças, sim. Não há consenso sobre essa matéria, nem pode haver no panorama actual. Se o gosto pessoal é um critério aceitável, já não é tão linear que se acredite em todas as críticas enunciadas na imprensa de referência. A expressão de algumas dessas críticas ainda são o espelho de necessidades dos próprios críticos e das editoras, que nada têm a ver com a qualidade literária do livro. Por isso, há autores que são validados por certos críticos na imprensa de referência, porque o próprio crítico é um autor da mesma editora do escritor sobre o qual escreve e é forçoso "colaborar". Ou a validação decorre de uma amizade que une escritor e crítico. O silêncio sistemático dos críticos literários relativamente aos autores que não são publicados em grandes editoras também é um sinal poderoso que gera confusão. Será que todos os livros publicados por editoras de vão de escada ou através de edições de autor são "maus"? E será que todos os livros publicados pelas grandes editoras são "bons"? Pessoalmente, dou mais importância a ensaios críticos realizados por professores universitários do que a críticos "de referência", pois prefiro referenciais mais neutros. Bom tópico! Só é pena não haver mais discussão em torno do assunto.
ReplyDeleteum livro bom é o livro que quando o acabamos de ler ficamos a pensar que já não precisamos de ler mais nenhum livro mas também ficamos com a sensação de que precisamos de ler muitos mais livros e mais e mais e sentimos que já aprendemos muito mas que não sabemos nada e temos dúvidas sobre se um livro bom é a mesma coisa que um bom livro
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ReplyDelete19 de Março
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