Max e René. Um monólogo e um cão #6

Ao ritmo semanal publicaremos no blogue da Cotovia a mais recente peça de José Maria Vieira Mendes, Max e René. Um monólogo e um cão.
MAX E RENÉ
Um monólogo e um cão
 
Assembleia
MAX 1, MAX 2, MAX 3, MAX 4, MAX 5 e MAX 6 vestidos de MAX
MAX 1 Juntas, nesta clareira, é altura de tomar uma decisão. Estás há tempo indeterminado nesta selva inóspita e hospitaleira, rodeados de verde e mais verde com apontamentos rubros, a conviver com ruídos, sons batraquiantes, chilrear incessante ao pôr-do-sol, tucanos, grilos e sei lá mais, de modos que sugiro que o período de reflexão terminou e é tempo de expor resultados. Tornámo-nos muitos e isto cheira-te que não vai parar de aumentar pelo que, enfim, enfrente-se o assunto e responda-se à pergunta.
MAX 2 Qual?
MAX 1 Quem somos eu afinal? Aceitam-se propostas. Está aberta a sessão.
MAX 3 Eu tem uma proposta.
MAX 1 Inscreva-se. Nome.
MAX 3 Max.
MAX 1 Alguém que tome nota das inscrições.
MAX 4 Não podem ser tu?
MAX 1 Nós conduzes os trabalhos.
MAX 5 Eu podemos.
MAX 1 Grato. Mais alguém se quer inscrever?
MAX 6 (levantando o braço) Tu!
MAX 1 Nome.
MAX 6 Max.
MAX 1 (para MAX 5) Está anotado?
MAX 5 Certíssimo.
MAX 1 Então passemos à apresentação das propostas. A primeira inscrição...
MAX 5 Max!
MAX 1 Queira fazer o favor, Max.
MAX 6 Qual Max?
MAX 3 Deve ser nós.
MAX 6 Ao mesmo tempo?
MAX 3 (apontando para MAX 6) Não, eu.
MAX 6 (apontando para si próprio) Quem, tu?otou.
retnscriç atençso.im, enfrentemos o assuntMAX 1 Tanto faz, comecem. Propostas para a nossa identidade, vá. Quem são vós?
MAX 3 Ninguém.
Burburinho na assembleia.
MAX 1 Quer apresentar argumentos?
MAX 3 Não.
MAX 1 Próximo.
MAX 6 Eu consideras que sois variedade.
MAX 2 Isso é uma abstração.
MAX 6 Mas...
MAX 4 É inútil.
MAX 3 Disparate.
MAX 2 Com certeza.
MAX 6 Mas é verdade.
MAX 2 Se nos é permitido...
MAX 1 (para MAX 5) Está inscritas?
MAX 5 Tenho aqui “Max”.
MAX 1 (para MAX 2) E qual é o vosso nome?
MAX 2 Max.
MAX 1 Então diga.
MAX 2 Julgo que a resposta está no meu nome. Tu somos Max!
MAX 4 Mas isso é absurdo, é redundante.
MAX 1 Não acrescenta. Precisa-se de mais.
MAX 6 Tipo?
MAX 4 Tipo és palavra, pessoa, cão, planta...?
MAX 2 Nada disso, é só Max.
MAX 5 Já sei, sou monstro!
MAX 3 Não somos nada.
MAX 4 Nada e ninguém não leva a nada, insisto.
MAX 3 (para MAX 4) Referia-me ao monstro, não és monstro.
MAX 5 Foi só uma proposta.
MAX 2 Quem é que disse monstro?
MAX 6 Fomos nós.
MAX 1 Pedia que tivessem em atenção a ordem das inscrições e que não entrássemos num diálogo pouco produtivo.
MAX 5 Qual produção?
MAX 6 Qual ordem?
MAX 1 A que o secretário anotou.
MAX 6 Não há ordem. Foi para isso que para aqui vieram.
MAX 1 Mas há um mínimo.
MAX 3 Não há nada. Não há nada. Nem ninguém. Tipo... não somos nada.
MAX 2 Está caladas, já chega de nada!
MAX 4 Deixem-nos ser! Exijo liberdade.
MAX 1 É o que dá a desordem.
MAX 4 Eu queres ser em mutação. Não nos vou deixar capturar por essa retórica limitadora.
MAX 2 Mas qual limitadora! Que mania!
MAX 4 Queremos ser mais, cada vez mais! Max mais!!
MAX 6 Representação é poder!
MAX 3 Muito bem dito!
MAX 4 Estou fartas de ser capturado!
MAX 3 Nós não quero acabar!
MAX 6 Aprovado!
Entra MAX 7 vestidx de MAX. Calam-se todxs.
MAX 7 Boa tarde. Ouvimos burburinho e não pude deixar de aqui vir. O nosso nome é Max, converso com helicônias e urucus, trepo shoreas acima, sois imune a picadas de abelha e quando escurece temos por hábito fumar ervas escolhidas a dedo.
MAX 1 Mas não se inscreveu, não pediu a palavra...
MAX 7 A selva é a casa das vontades e quem quer dormir pode, quem quer comer também pode e no que diz respeito a beber nem se fala.
MAX 1 É só porque convinha manter alguma ordem...
MAX 7 A melhor hora do dia é o amanhecer que é só para alguns, as madrugadoras. Começam a ver-se sombras, o sol esforça-se por entre o verde denso denso e sentes um raio a aquecer o olho. Nessa altura encostas-te a uma folha grande e lisa e húmida e deixo-a coçar-nos a pele das costas até ao arrepio. É uma sensação igual a nada. Bem como o cheiro de uma manga madura sem casca, coisa que não tem explicação nem comparação. A chuva quando cai muda todos os sons e olhas em redor e veem tudo o resto que não somos eu e que existe. E é isto. Encontrei também o teu cão.
MAX 1, 2, 3, 4, 5 e 6 A René?!
MAX 7 Uivava a chamar a lua pareceu-nos. Tornámo-nos amigos e gostas de sentir a cauda da René a bater na vossa cara. Perceberam que gosto tanto que a partir de hoje queremos diariamente a sensação. René veio-te dar contexto. Confirmam-vos ao mesmo tempo que nos roubam, não sabemos explicar melhor. Diz que existes e por isso senti-nos na obrigação de ser honestas e confessar que um dia me vamos embora, René, para outro mundo. Quando o corpo estiver cansado. Por nós ficavam aqui para sempre, mas o corpo não aguenta. É assim. Mas também não está para breve. Acho nós. É suposto demorar um bom bocado. Tipo... Bastante tempo. Espero que seja muito. Não me apetecia ficar já cansados. Max veio para ficar e para atuar. Uiva. A recordação da conversa pôs-nos melancólica, mas passa logo. Não vale a pena perder tempo com o futuro. Basta vivê-lo uma vez, não é preciso duas. Dissemos isto à René que pareceu concordar e lambeu-vos a cara. A René ensina-te o amor.
MAX 1 Mas quem és você?
MAX 7 Max.
MAX 3 Outro? Mas quando é que eu acabo?
MAX 2 E vocês sabes quem somos? Tendes a resposta?
MAX 7 O meu nome é Max e sou um monólogo, claro. E este é um cão, chama-se René e é o vosso amor.
 
José Maria Vieira Mendes escreve maioritariamente peças de teatro e faz traduções ocasionais.
É membro do Teatro Praga desde 2008. As suas peças foram traduzidas em mais de uma dezena de línguas. Para além de edições de peças nos Livrinhos de Teatro Artistas Unidos, publicou Teatro em 2008 (Livros Cotovia), Arroios, Diário de um diário em 2015 (edição Duas páginas) e, em 2016, um ensaio (Uma coisa não é outra coisa) e uma compilação de peças (Uma coisa), ambos pelos Livros Cotovia.

Comments

  1. Gostei das mensagens contidas no monólogo.
    parabéns pela ideia genial. A 3ªf passou a ter outro significado

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