Max e René. Um monólogo e um cão #4

Ao ritmo semanal publicaremos no blogue da Cotovia a mais recente peça de José Maria Vieira Mendes, Max e René. Um monólogo e um cão.

MAX E RENÉ
Um monólogo e um cão


Transição

MAX 2 e MAX 3 vestidxs de MAX num recanto da selva, junto a um ribeiro.
MAX 2 Estou fartas. A sério. Desculpa o desabafo mas já não aguentamos. Estou farto dela, não posso mais com ele.
MAX 3 Com quem?
MAX 2 Com ela, comigo. Estão farta de a ouvir ao meu ouvido, sempre a chagar, nhanhanha, nhanhanha. Não se pode dizer nada, não sei, acho que começámos a embirrar com ele e agora...
MAX 3 Sei o que é. Também já nos aconteceu.
MAX 2 Mas ela somos eu! Estar a embirrar contigo próprio, já viste o estado a que chegámos?
MAX 3 Nós sei, ele sei...
MAX 2 Pensei que depois de nos irmos embora, de conhecer estes sítios novos, tudo tão bonito, tudo tão lindo, tudo tão bonito, esta selva sem ordem, pensei que ias ficar mais tranquilas e que ia ser capazes de encontrar palavras, deixar de nos sentir tão deslocado, mas nada, não temos forças.
MAX 3 Tens de te dar tempo. São fases.
MAX 2 Porque é que é tudo tão difícil na vossa vida? Porquê?
MAX 3 Porque foi o caminho que escolheu.
MAX 2 Não foi. Não foi não. Eu não escolhemos nada. Queria uma vida pacata e vieram dar a isto.
MAX 3 E juntas saímos disto.
MAX 2 Mas nós não quero sair. Aí é que está. Eu queremos voltar a casa, voltar ao lugar de onde saímos, com o mesmo nome e as mesmas palavras. Mas felizes. Visíveis. Reconhecidas, percebes. Só quero que te vejam. Será possível?
MAX 3 Há de ser.
MAX 2 Como?
MAX 3 A selva providenciará a resposta.
MAX 2 Estou farta dessas respostas místicas. Disseram-vos que ia encontrar gente, coisas, qualquer coisa e nada. Andas aqui sozinhas a bater contra troncos e a procurar caminhos entre a vegetação que nunca mais acaba, árvores que não deixam ver o sol, denso, tudo denso, tudo verde, não sei o nome deste verde todo à minha volta, mosquitos nos olhos, não encontro comida, tens fome, não sabem acender o fogo, isto é um pesadelo, não aguento mais.
Entra OLÁ vestidx de OLÁ.
OLÁ Olá.
MAX 3 Olá.
MAX 2 Mas quem és tu?
OLÁ Olá.
MAX 3 Olá.
MAX 2 Quem é que tu és?
MAX 3 (Para MAX 2) Mas diz-lhe olá, qual é o vosso problema?
MAX 2 Mas se nós não sei quem ela é!
OLÁ Olá. Eu sou Olá.
MAX 2 É o quê?
OLÁ Olá.
MAX 3 Olá.
MAX 2 (para MAX 3) Está caladas! (Para OLÁ) Olá? Mas isso é um nome?
OLÁ Não sei. Sou Olá.
MAX 2 Mas isso é o quê? Tu são o quê?!
OLÁ Olá.
MAX 2 Sim, olá, tudo bem... mas?
OLÁ Somos uma palavra que se chama Olá.
MAX 3 Por acaso nunca tinha conhecido uma palavra. Não é que... Nós não tenho nada contra as palavras, tipo... só nunca se proporcionou...
MAX 2 Conhecer uma palavra? Mas está tudo louco?! Desde quando é que podes ser uma palavra?
MAX 3 Qual é o problema?
MAX 2 Tu não são uma palavra, vós somos uma pessoa!
MAX 3 Sim, nós não, mas ela é.
MAX 2 Mas não vês que ele é igual a nós?!
MAX 3 Igual? Não, não é. O meu cabelo não é igual ao dela. Nem o nosso. Não são nada iguais. Nem o corpo, nada, tipo...
MAX 2 É igual porque é da mesma espécie. Nós não pertencem à espécie palavra.
MAX 3 Mas existe uma espécie “Palavra”?
MAX 2 Precisamente, não existe! Por isso é que elas não pode ser uma palavra.
OLÁ Mas eu somos uma palavra.
MAX 2 Exato. E nós sou um unicórnio.
MAX 3 Não és não.
OLÁ Pois não, não é.
MAX 2 Então quem é que eu somos?
OLÁ São o Max. Bem-vinda à selva.
Entra MAX 1 vestidx de MAX e com uma pilha de lenha.
MAX 1 Olá.
OLÁ Olá.
MAX 1 Quem é?
MAX 2 Olá.
MAX 1 (para MAX 2) Olá, mas já nos tínhamos visto...
MAX 2 Chama-se Olá.
MAX 1 Quem é que se chama Olá?
MAX 3 Ele.
MAX 2 Ela.
MAX 1 Chamam-se Olá?
OLÁ Olá, sim.
MAX 1 E vives aqui?
OLÁ O que é que é “vives”?
MAX 2 Vivo, viver... Não sabes o que é?
OLÁ Olá.
MAX 1 Qual é a lógica?
MAX 3 Não sejam tão impaciente, deixa ouvir.
OLÁ Ele há fetos, é do que mais temos, lianas, árvores altas como aquela ali, mas aqui há quase tudo, biodiversidade e diversidade sem bio, com nomes como mamblembê, pegacalato, a cata-piquina com suas bagas e as rasteiras focha-anzolo também conhecidas por elytrarua marginata. Prazer em conhecer. Estão a pensar ficar quantos dias?
MAX 1 Está a falar connosco?
MAX 3 (para OLÁ) Não temos dias.
OLÁ Olá.
MAX 1 Mas ela está sempre a dizer o nome?
MAX 2 Ainda não percebi a lógica.
MAX 3 Se calhar não tem lógica.
OLÁ Entretanto, vou a caminho do morro mais alto para privar com a estrela Sol. Se andarem naquela direção, encontram itotós, bungás e malimboques, tudo espécies admiráveis. Gosto do cão. Apresenta nome, imagino.
MAX 2 René.
OLÁ É bipolar?
MAX 1 Bipolar porquê?
OLÁ Talvez binómio. Bisonte. Bivalve. Bistrô. Bilingue. Vou.
OLÁ sai como entrou.
MAX 3 Olá, espera!
OLÁ entra como saiu.
OLÁ Chamaram?
MAX 3 Não te querem juntar a eu?
OLÁ Juntar a Max?
MAX 3 Ser Max.
MAX 2 Mas isso é possível?
MAX 3 Aqui tudo é possível.
OLÁ E como é que isso se faz?
MAX 3 Fazes a transição.
OLÁ Fazer a transição?
MAX 1 Não percebemos.
MAX 3 Muda-se de nome. 
OLÁ É só isso?
MAX 3 É assim que se começa. Tudo o resto vem por arrasto.
MAX 2 Sabemos imenso...
MAX 1 Deve ter trincado uma planta.
MAX 2 Uma planta?
MAX 1 A selva está cheia de plantas que fazem magia. Algumas dão sabedoria.
MAX 2 Quero experimentar.
MAX 3 Mas olha que também há venenosas.
OLÁ Matam.
MAX 2 Cada vez gosto mais deste sítio. Tens tudo!
MAX 1 Onde é que está o René?
MAX 2 Lembras bem. A René?
MAX 3 René! René!
MAX 1 René! Onde é que ela se meteu. 
OLÁ veste-se de MAX e fica MAX 4.
(continua...)



José Maria Vieira Mendes escreve maioritariamente peças de teatro e faz traduções ocasionais. É membro do Teatro Praga desde 2008. As suas peças foram traduzidas em mais de uma dezena de línguas. Para além de edições de peças nos Livrinhos de Teatro Artistas Unidos, publicou Teatro em 2008 (Livros Cotovia), Arroios, Diário de um diário em 2015 (edição Duas páginas) e, em 2016, um ensaio (Uma coisa não é outra coisa) e uma compilação de peças (Uma coisa), ambos pelos Livros Cotovia

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