Folhetim Detectivesco: 4

ONDE SE FALA DE CRIMES SEXY E DE SOMBRAS DO PASSADO.

Há crimes que são sexy e crimes que não o são. Esperem! Lá estão a dizer coisas antes de ouvir... Esta classificação não exclui outras adjectivações. Crimes que são em iguais doses terríveis, assustadores, sanguinários, injustos, inexplicáveis – ou explicáveis e por vezes é a explicação que causa o maior horror. Mas todos cabem nestas ou noutras classificações.

E depois uns são sexy e outros não.

Lamento. Mas não fui eu que inventei a humanidade. Posto isto.


O que os torna sexy? Muita coisa. O mistério. O horror, a violência. A -ou as- vitimas. Por exemplo, os crimes do Estripador são sexy. Não? Desculpem? Até hoje fazem-se filmes e escrevem-se livros. Há mil teorias. E porquê? Quer dizer, não era de certeza uma novidade, naquela época e naquela zona aparecerem mulheres que se prostituíam estripadas. Ou deitadas ao rio. Ou estranguladas. Ou tudo junto. Mas depois, descobria-se o culpado – o chulo, o amante, o bandido, o tratante num instantinho. E se não se descobrisse, olha, paciência, menos uma desgraçada na rua. Da amargura. Mesmo que não se falasse muito nisso.


Os crimes do Estripador são diferentes porque o perpetrador (ui! Mas é assim que se diz) construiu uma história com eles. Deu-lhes coesão, reclamou a autoria, desafiou a polícia a descobri-lo. Forneceu o frisson do medo a quem estava sossegado e seguro na sua casa vitoriana em Kensington. O ‘ah e se fossemos nós?’. Mas não podemos ser nós porque nós somos pessoas boas e respeitáveis, cumpridoras dos seus deveres para com a sociedade e a igreja. Sim? Sim.


O Estripador forneceu ao “público em geral” o medo sem o risco. Tchan tchan! (também me estou a rir. Mas é verdade)


Convém sublinhar, as vítimas eram mulheres. Uma determinada espécie de mulheres. Que as pobrezinhas fossem feias, desfeitas pela vida que levavam, doentes? Ora. Sexo, culpa, horror, mistério. Falta o quê? Dinheiro, acertaram. E não é indispensável a vítima ser mulher. Mas abrilhanta.


E, last but not least, pôs toda a gente à espera do próximo crime. O quê, pessoas honradas, mães de família respeitáveis, a desejar que mais uma pobre de Cristo fosse esventrada? Sim senhores. Não só à espera, mas ansiosos.


(isto é um interlúdio pretensioso, mas todos aqueles ‘mementos’ vitorianos, as mãozinhas, os pezinhos dos infantes, lívidos no mármore, sempre me fizeram imaginar o pater familas a entrar na nurserie e a desatar à machadada… Pronto. Eu às vezes sou afectada pelo ofício, não sou de pau, sim? Nem de mármore. Felizmente)


Neste caso, esse móbil, o dinheiro, não seria importante.


Diz que – e eu vou voltar a esta premissa muitas vezes – as explicações mais simples são as mais prováveis. Assim, a minha explicação é que Jack the Ripper foi o primeiro serial killer da criminologia moderna. Os psicopatas não precisam de razões lógicas. Têm as deles e servem-lhes perfeitamente.


Posto isto, vou contar-lhes o crime mais sexy-enfim, um dos mais sexies – que me apareceu numa carreira não muito longa-lailailai, às senhoras não se pergunta a idade, excepto a polícia, que pergunta tudo, não se enganem – mas preenchida de acontecimentos interessantes. Posso dizer isto à vontade, porque o julgamento será vosso.


“Uma tragédia no Natal

A 24 de Dezembro de 1987, há dez anos, um membro daquilo a que se chama, nem sempre com acerto, ‘jet set’, foi encontrado morto na sua casa, XXXXXXXX, Lisboa. Sendo um médico conhecido e pertencente a uma família conhecida, o caso despertou grande curiosidade, embora se tenham desenvolvido grandes esforços para abafar as notícias. O acontecimento chocou todos os próximos, mas após rigorosas investigações, o veredicto de suicídio foi aceite. Apesar da discrição dos familiares e amigos, o incidente continuou sempre envolto numa nuvem de dúvidas e suspeitas. Nunca foi, no entanto, possível encontrar o mínimo indício que permitisse reabrir este caso. Infelizmente, parece que a Justiça continua a ser desigual para ricos e pobres”
in xxxxxxx, 1997”


Um processo discreto, uma indemnização avultada e algumas mudanças no quadro do jornal encerraram o assunto.


Até hoje. Até ao dia em que tenho uma testemunha impossível de ignorar à minha frente. Aqui, no meu escritório. Daquelas que diz: – ‘Diga o seu preço’. Daquelas que diz; – ‘Eu estava lá e vi’. Daquelas que diz: – ‘Eu preciso de saber. Ou morro’.


Daquelas que são um lindo serviço.


Conto o resto na próxima vez. Espero que estejam ansiosos.

(cont.)

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