O que é a Filosofia?, de José Ortega y Gasset
«O misticismo tende a explorar a profundidade e especula com o abismático; pelo menos, entusiasma-se com as profundidades, sente-se atraído por elas. Pois bem, a tendência da filosofia é de direcção oposta. Não lhe interessa submergir-se no profundo, como a mística, mas, pelo contrário, emergir do profundo até à superfície. Contra o que é costume supor-se, é a filosofia um gigantesco anseio de superfície, quero dizer de trazer para a superfície e tornar patente, claro, evidente se é possível, o que estava subterrâneo, misterioso e latente. Detesta o mistério e os gestos melodramáticos do iniciado, do mistagogo. Pode dizer de si própria o que disse Goethe:
Declaro-me da linhagem desses
que do escuro rumo ao claro aspiram.
A filosofia é um enorme apetite de transparência e uma resoluta vontade de meio-dia. O seu propósito radical é trazer para a superfície, declarar, descobrir o oculto ou velado — na Grécia a filosofia começou por chamar-se alétheia, que significa desocultação, revelação ou desvelação; em suma, manifestação. E manifestar não é senão falar, logos. Se o misticismo é calar, filosofar é dizer: descobrir na grande nudez e transparência da palavra o ser das coisas, dizer o ser — ontologia. Frente ao misticismo, a filosofia gostaria de ser o segredo aos gritos.»
O que é a Filosofia?, de José Ortega y Gasset
(trad. José Bento)
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