A realidade do artista, de Mark Rothko
«Muitas vezes descreve-se a arte como uma maneira de fugir à acção. Sublinha-se que os artistas, considerando demasiado incómodas as coisas práticas do mundo, se retiram do domínio da verdadeira actividade e se escondem num universo de imaginação para se livrarem desses incómodos. Habitualmente, considera-se que o universo da verdadeira actividade é aquele em que o homem se ocupa — seja em comunidade, seja individualmente — da satisfação das suas próprias necessidades físicas. Enganar a fome ou o desconforto físico é próprio do universo da acção realista. Com a melhoria do nível de vida, aumentou muitíssimo a quantidade de coisas que satisfazem as necessidades físicas do homem. Originalmente, essas necessidades seriam: comida suficiente para aplacar a fome, um abrigo de protecção contra as inclemências meteorológicas, e roupa para afastar as pneumonias. Hoje, porém, um homem não pode viver sem casa de banho com mosaicos, sem instalação sanitária, aspirador ou um fato de bom corte; e uma mulher não passa sem as inúmeras mudanças de vestuário no princípio e no fim da estação, nem sem os incontáveis aparelhos e instrumentos que ajudam a poupar tempo. Estes instrumentos para poupar tempo contribuem supostamente para o lazer, que deve ser preenchido satisfazendo os impulsos estéticos. E o lazer reclama os seus ornamentos; e, em primeiro lugar, tem que ser atractivo. Por último, participar na produção e na distribuição destes incontáveis dispositivos é algo que se vem gradualmente incorporando na esfera das necessidades reais do homem, que originalmente se saciavam com a mais elementar provisão de alimentos, roupa e abrigo. Quem passar a vida a produzir ou adquirir os referidos enfeites pertencentes às necessidades físicas, leva uma vida activa. (...)
Still LIfe with Bread and Fruit, de Marsden Hartley |
A arte é uma dessas acções. É um tipo de acção parente do idealismo. São ambos expressões de um mesmo impulso, e quem não consegue satisfazer esse ímpeto de uma ou outra maneira é tão culpado de escapismo quanto quem não consegue
ocupar-se a satisfazer as suas próprias necessidades físicas. Na verdade, aquele que passar a vida inteira a fazer girar as rodas da indústria a ponto de não lhe sobrar tempo, nem energia, para se ocupar de quaisquer das outras necessidades do seu organismo humano é, de longe, mais escapista do que quem
desenvolveu a sua própria arte. Pois aquele que desenvolve uma arte própria ajusta-se forçosamente às suas necessidades físicas e compreende que temos que ter pão para viver — enquanto o outro não compreende que não podemos viver apenas de pão.»
A realidade do artista, de Mark Rothko
(trad. Fernanda Mira Barros)
(trad. Fernanda Mira Barros)
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