"O azul do filho morto" e "Bangalô", de Marcelo Mirisola


Dois livros de Marcelo Mirisola em breve na Cotovia, colecção Sabiá:

«Uma vez vovó que sofria — do cocuruto — de maldade, peruagem e de esquecimentos atrozes, acusou uma “negrinha desgraçada” de roubar suas jóias. Eu me lembro deste episódio para lembrar da minha mãe e dos ovos que, de três em três horas, eu, débil mental (“isso”), garoto estranho que vivia olhando pra baixo, fui obrigado a engolir. Eu quero dizer o seguinte: se eu não comesse os malditos ovos as cabeças explodiriam contra as paredes. Ou melhor, a autoridade da minha mãe começava na minha avó e terminava na parede. Educação à Zeloni. Um negócio mais honesto, menos cínico, mais apaixonado e verossímil do que os cubinhos “lúdicos” de Freinet, Piaget & Cia. Ltda. (“exercício lúdico” é a puta que pariu, em qualquer época e circunstância — diga-se de passagem). Eu tive o Zeloni, a família Trapo sem pingo de humor. E tive que “curtir” o desbunde dos 70’s trancado numa “Escola Experimental” para filhos de nazistas endinheirados. As coisas não se encaixavam, nem nos cubinhos nem na minha cabeça, nem fudendo.»

O azul do filho morto, de Marcelo Mirisola

«Vivo dias de “écrivain”. Pra ser sincero, cultivo a bajulação e eu mesmo os invejo: esses vermes. São minha paisagem. Havia decidido, depois de ter feito algumas anotações, não mais especular sobre o ódio e o perdão. Na verdade, já ia dar por encerrada minha patética carreira de escritor maldito. Mas Cris ligou. Ela não vem. A gente falou em cartas que jamais teriam resposta. A garota queria saber o meu e-mail e o que eu andava fazendo. Eu lhe disse que às vezes ficava romântico e que às vezes era apenas um viciado em aspirinas, Nino Rota e barbitúricos fora de moda, tipo benzedrina e sonhos de valsa em papel de celofane. Que gostaria de tê-la ao meu lado. Só isso. 
— tenho cep, Cris. Serve? 
Aí ela anotou meu endereço. O que eu gosto nela é a melancolia e a falsa doçura cuja inconveniência, aliás, ela mesma já havia reconhecido: 
— você vai se decepcionar comigo.»

Bangalô, de Marcelo Mirisola

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