Histórias de Imagens, de Robert Walser

Retrato de uma senhora

«Uma jovem senhora, uma rapariga de cerca de vinte anos, está sentada numa cadeira lendo um livro. Ou talvez tenha acabado de ler avidamente e reflicta agora sobre aquilo que leu. Acontece muitas vezes que aquele que lê tenha de parar, de repente, por todo o tipo de ideias relacionadas com o livro o ocuparem intensamente. A leitora sonha; talvez compare o conteúdo do livro com as suas próprias experiências de vida, pensa nos heróis do livro sentindo‑se ela própria quase como uma heroína.
O quadro é estranho e a pintura delicada e subtil, já que o pintor ultrapassou as fronteiras habituais, num impulso de beleza ousada, superando livremente os limites da perspectiva. Pintando o retrato da jovem senhora, representa também os seus sonhos encantadores e secretos, o seu pensamento e as suas fantasias, a sua imaginação bela e feliz. Pinta também sobre a cabeça ou a cabecinha da leitora, um horizonte distante, leve e delicado, como se fosse precisamente uma construção da fantasia, um relvado verde, rodeado por uma coroa de imponentes castanheiros, sobre a qual está deitado um pastor, que, por sua vez, parece estar a ler um livro, já que não tem mais nada que fazer. O pastor traz vestida uma saia azul escura e em volta deste mandrião satisfeito pastam os cordeiros e as ovelhas e ao alto, no céu limpo desta manhã de verão, voam andorinhas. Vêem‑se algumas pontas de abetos erguer‑se das copas exuberantes e redondas das árvores de folha larga. O verde do relvado é intenso e quente e fala uma linguagem romântico‑aventurosa e este quadro alegre apela‑nos a uma contemplação atenta e tranquila. O pastor ali, distante, no seu pedaço de relva verde, é, sem dúvida, feliz. Será que a rapariga que lê o livro é igualmente feliz? Certamente o mereceria. Todo o ser e todas as vidas na terra deveriam ser felizes. Ninguém deveria ser infeliz.»


Histórias de Imagens, de Robert Walser
(trad. Pedro Sepúlveda)

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