Mortes Imaginárias, de Michel Schneider

A língua cortada
«Durante muito tempo pensei que estar vivo significava precaver-se da morte. Talvez tivesse acreditado demasiado em Montaigne: “A vossa morte é uma das peças que compõem a ordem do universo; é um dos elementos da vida do mundo… Não temas nem desejes o teu último dia”. Mas não estaremos a enganar-nos a nós próprios quando afirmamos que a morte é uma coisa da vida? Que o não ser ainda é uma forma particular de ser, e, como ainda escreve Montaigne, que a morte é um simples salto “do mal-ser [mal-être] para o não-ser”? Os Gregos chamavam-lhe a irmã do sono, a filha da noite. É uma mulher que faz parte da família. Tomamos as refeições com ela. Daí a achá-la simples, de boa reputação, ou mesmo amável! Um dia, abandonamos o festim saciados, recomendam ainda os Antigos. Partimos. É o que se conta às crianças. O teu papá está a viajar, longe, muito longe. E a criança sabe que a caixa negra o encerra no invisível, ali, ao lado. Mesmo ao lado. Partir? “É preciso estar sempre calçado e pronto para partir… Já que Deus nos oferece a possibilidade de organizar a nossa mudança, preparemo-nos: façamos as malas”, dizia-me o autor dos Ensaios. Mas não fazia muito sentido para mim. Não estou pronto para partir. Provavelmente, nunca estamos prontos. Não sou estóico. Desconheço se ainda existem estóicos. Sei bem que pensar na morte não é pensar na sua própria morte.»
Michel de Montaigne

Mortes Imaginárias, de Michel Schneider
*Tradução de Bénédicte Houart

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