Júlio César, de William Shakespeare

«CÁSSIO: Quem está aí?
CASCA: Um romano.
CÁSSIO: Casca, pela voz.
CASCA: Tens bom ouvido, Cássio. Que noite!
CÁSSIO: Noite boa para os homens de bem.
CASCA: Quem já viu nos céus tal ameaça?
CÁSSIO: Os que vêem a terra tão cheia de delitos.
Quanto a mim, calcorreei as ruas,
Sujeitando-me aos perigos da noite,
E, desabotoado, Casca, como vês,
Expus o peito ao fogo da tormenta;
E quando o risco azul do raio parecia abrir
O seio ao firmamento, eu próprio me oferecia
Como alvo à sua chama.
CASCA: Mas para que tentaste assim os céus?
Devem os homens temer e tremer
Quando os mais poderosos deuses nos mandam,
Como sinais, estes terríveis arautos para nos apavorar.
CÁSSIO: És obtuso, Casca, e não tens
A centelha de vida que deve haver num romano,
Ou não a queres usar. Pareces pálido e pasmado,
Vestes-te de medo e cobres-te de assombro,
Ao veres a estranha impaciência do céu.Mas se pensares na verdadeira causa
De todos estes raios, no porquê destes fantasmas errantes,
Por que pássaros e animais mudam a sua qualidade e
natureza,
Por que velhos, loucos e crianças fazem profecias,
Por que todas estas coisas se desviam da ordem natural,
Mudando as suas inatas faculdades
Em qualidades disformes, então perceberás
Que o céu lhes infundiu esses espíritos
Para os mudar em instrumentos de medo e de presságio
De alguma monstruosa situação.
Agora, Casca, podia nomear-te um homem
Semelhante a esta noite assustadora,
Que troveja, relampeja, abre túmulos,
E ruge como o leão no Capitólio;
Um homem não mais forte do que tu
Ou eu na sua acção, mas que se tornou tão prodigioso
E tão temível como estes estranhos sucessos.

CASCA: É de César que falas, não é, Cássio?»

William Shakespeare
(trad. José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto e Luís Miguel Cintra)

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