Sagrada Família, de Jacinto Lucas Pires
«MARIA: Deixa ver se percebi. Queres fazer uma… religião? É isso? O mundo está manchado, desmanchado, como é que tu dizes?… “desapertado”, cheio de miséria e injustiça e medos, e por isso acreditas que há um “público-alvo”, que há um “nicho de mercado” para —
PEDRO: Estava a tentar falar de uma maneira que tu percebesses.
MARIA: Um novo “produto espiritual”, uma empresa que dê Deus —
PEDRO: Amor.
MARIA: …Que dê amor — perdão — às pessoas, a todas as pessoas, a toda e qualquer pessoa. É isso?
PEDRO: E esperança e ânimo e aconselhamento e paz e —
MARIA: Amor, que dê amor às pessoas. Que dê amor e que receba o quê em troca?
PEDRO: Nada.
MARIA: Nada?
PEDRO: Não pediremos nada, não exigiremos nada.
MARIA: Sim, mas… e depois?
PEDRO: Não, nada, nunca.
MARIA: …E depois cada um dará o que puder.
PEDRO: “De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades.”
MARIA: Isso é o quê, Marx? Jesus? Beatles? (PEDRO sorri sem vontade.) Pê, a tua área, não sei se te lembras, é Teoria da Literatura. Consegues mesmo imaginar-te como sacerdote ou pastor ou, nem sei como te chamar… faraó?
PEDRO: Não é questão de imaginar.
MARIA: Mas o que é que vais dizer às pessoas?
PEDRO: Serei eu próprio. Já me conheces. Palavras simples, bom senso.
MARIA (irónica): Ha, ha.
PEDRO: Frases curtas mas inspiradoras, uma entoação que apazigue e dê alento.
MARIA: “Alento”? “Apazigue”? Já estás a falar como um padre, meu Deus.
PEDRO: Estás a ver: “Meu Deus”.
MARIA: O quê?
PEDRO: “Meu Deus”, disseste. Mas, tudo bem, eu percebo o choque.
MARIA: A sério que estás a falar a sério?
(...)
MARIA: Qual é que é o nome?
PEDRO: O quê, o nome de quê?
MARIA: O nome da tua religião, Pê.
PEDRO: Da “nossa”. Da nossa religião, baby.
MARIA: Oh, não vais dizer, pois não? (Pausa. PEDRO desvia o olhar.)
PEDRO: Micro. Empresa. Religiosa. De. Amor. (Pausa.)
MARIA: MERDA? É esse o teu grande nome? É esse o grande nome da tua grande religião que vai salvar o mundo? MERDA? MERDA?
PEDRO: Não… gostas?»
Sagrada Família, de Jacinto Lucas Pires
PEDRO: Estava a tentar falar de uma maneira que tu percebesses.
MARIA: Um novo “produto espiritual”, uma empresa que dê Deus —
PEDRO: Amor.
MARIA: …Que dê amor — perdão — às pessoas, a todas as pessoas, a toda e qualquer pessoa. É isso?
PEDRO: E esperança e ânimo e aconselhamento e paz e —
MARIA: Amor, que dê amor às pessoas. Que dê amor e que receba o quê em troca?
PEDRO: Nada.
MARIA: Nada?
PEDRO: Não pediremos nada, não exigiremos nada.
MARIA: Sim, mas… e depois?
PEDRO: Não, nada, nunca.
MARIA: …E depois cada um dará o que puder.
PEDRO: “De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades.”
MARIA: Isso é o quê, Marx? Jesus? Beatles? (PEDRO sorri sem vontade.) Pê, a tua área, não sei se te lembras, é Teoria da Literatura. Consegues mesmo imaginar-te como sacerdote ou pastor ou, nem sei como te chamar… faraó?
PEDRO: Não é questão de imaginar.
MARIA: Mas o que é que vais dizer às pessoas?
PEDRO: Serei eu próprio. Já me conheces. Palavras simples, bom senso.
MARIA (irónica): Ha, ha.
PEDRO: Frases curtas mas inspiradoras, uma entoação que apazigue e dê alento.
MARIA: “Alento”? “Apazigue”? Já estás a falar como um padre, meu Deus.
PEDRO: Estás a ver: “Meu Deus”.
MARIA: O quê?
PEDRO: “Meu Deus”, disseste. Mas, tudo bem, eu percebo o choque.
MARIA: A sério que estás a falar a sério?
(...)
MARIA: Qual é que é o nome?
PEDRO: O quê, o nome de quê?
MARIA: O nome da tua religião, Pê.
PEDRO: Da “nossa”. Da nossa religião, baby.
MARIA: Oh, não vais dizer, pois não? (Pausa. PEDRO desvia o olhar.)
PEDRO: Micro. Empresa. Religiosa. De. Amor. (Pausa.)
MARIA: MERDA? É esse o teu grande nome? É esse o grande nome da tua grande religião que vai salvar o mundo? MERDA? MERDA?
PEDRO: Não… gostas?»
Sagrada Família, de Jacinto Lucas Pires
Comments
Post a Comment