Reedições de Ruy Duarte de Carvalho

Ruy Duarte de Carvalho (Portugal, Santarém, 1941 – Namíbia, Swakopmund, 2010) é autor de cerca de duas dezenas de livros de poesia, ficção, narrativa e ensaio. De 1975 a 1981 realizou filmes para a televisão e para o instituto de cinema angolanos. Em 1982 obteve com um filme, Nelisita, o diploma da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais em Paris e doutorou-se também aí, em 1986, em antropologia social e etnologia. A partir de 1987 ensinou antropologia social nas universidades de Luanda, de São Paulo e de Coimbra, e inquiriu sobretudo junto de sociedades pastoris e agropastoris do sudoeste de Angola e do noroeste da Namíbia.
























“Durante 20 anos, Ruy Duarte de Carvalho não escreveu ficção. Em 1999, no entanto, publicava um livro dificilmente classificável, porque simplesmente mágico: Vou lá visitar pastores é uma ‘exploração epistolar’ sobre as idas e vindas do antropólogo pelo território Kuvale, que se estende para sul passando além do meridiano de Namibe (a antiga Moçâmedes) até às margens do Kunene – uma poética dos nomes e dos lugares. O dispositivo adoptado pelo escritor é engenhosamente ficcional: consiste na ‘transcrição’ de uma colecção de cassetes em que o narrador, pressupondo um interlocutor virtual, desenrola o relato das suas anotações de campanha, penetrando mais e mais no território do Outro (os kuvale), para melhor compreender a essência silenciosa da paisagem: a narrativa, lenta, minuciosa, ‘ricamente lavrada’ (como outrora se diria), toda ela recheada de digressões e reflexões críticas e ensaísticas, funciona como uma espécie de ritual de encantamento, que obriga o leitor a internar-se com ele pela paisagem (terras, gentes, costumes) que é a própria matéria de que se faz o livro.”

António Mega Ferreira, Visão
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“Em Os Papéis do Inglês, o autor repete um procedimento romanesco semelhante [ao que emprega em Vou lá visitar pastores] (‘escrever a alguém’), que extrapola e estrutura simultaneamente a prosa como pretexto de relato dirigido, neste caso, a uma ‘destinatária que se insinua e instala no texto’. Conta-lhe a história de um personagem conradiano, um caçador inglês que depois de matar um companheiro de profissão grego às margens do rio Kwando, na fronteira com a actual Zâmbia, em 1923, e de se entregar às autoridades portuguesas, que não lhe dão ouvidos, volta ao acampamento e abate a tiro tudo o que vê pela frente, terminando por disparar a arma contra o próprio peito. [...].Uma ficção hesitante que, informada pela antropologia, preza o princípio de que ‘mais que o achado vale sempre a busca’. […]. O que ocorre então é uma narrativa em permanente ‘suspeita perante si mesma’, a questionar-se, interrompendo-se para se revelar, por um processo análogo ao relativismo antropológico: ‘E quem narra não há de ter, ele também, que dar-se a contar?’. [...].E é como se Ruy Duarte de Carvalho se servisse de uma ‘estória angolana’ para fazer também a sua teoria da literatura, de dentro de um país em crise permanente, onde ‘se consome e vive como se o mundo fosse acabar amanhã’.”

Bernardo Carvalho, Folha de S. Paulo




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