A educação pela pedra, de João Cabral de Melo Neto
OS VAZIOS DO HOMEM
«Os vazios do homem não sentem ao nada
do vazio qualquer: do do casaco vazio,
do da saca vazia (que não ficam de pé
quando vazios, ou o homem com vazios);
os vazios do homem sentem a um cheio
de uma coisa que inchasse já inchada;
ou ao que deve sentir, quando cheia,
uma saca: todavia, não qualquer saca.
Os vazios do homem, esse vazio cheio,
não sentem ao que uma saca de tijolos,
uma saca de rebites; nem têm o pulso
que bate numa de sementes, de ovos.
do vazio qualquer: do do casaco vazio,
do da saca vazia (que não ficam de pé
quando vazios, ou o homem com vazios);
os vazios do homem sentem a um cheio
de uma coisa que inchasse já inchada;
ou ao que deve sentir, quando cheia,
uma saca: todavia, não qualquer saca.
Os vazios do homem, esse vazio cheio,
não sentem ao que uma saca de tijolos,
uma saca de rebites; nem têm o pulso
que bate numa de sementes, de ovos.
2.
Os vazios do homem, ainda que sintam
a uma plenitude (gora mas presença)
contêm nadas, contêm apenas vazios:
o que a esponja, vazia quando plena;
incham do que a esponja, de ar vazio,
e dela copiam certamente a estrutura:
toda em grutas ou em gotas de vazio,
postas em cachos de bolha, de não-uva.
Esse cheio vazio sente ao que uma saca
mas cheia de esponjas cheias de vazio;
os vazios do homem ou o vazio inchado:
ou o vazio que inchou por estar vazio.»
Os vazios do homem, ainda que sintam
a uma plenitude (gora mas presença)
contêm nadas, contêm apenas vazios:
o que a esponja, vazia quando plena;
incham do que a esponja, de ar vazio,
e dela copiam certamente a estrutura:
toda em grutas ou em gotas de vazio,
postas em cachos de bolha, de não-uva.
Esse cheio vazio sente ao que uma saca
mas cheia de esponjas cheias de vazio;
os vazios do homem ou o vazio inchado:
ou o vazio que inchou por estar vazio.»
in "A educação pela pedra", de João Cabral de Melo Neto
(Colecção Curso Breve de Literatura Brasileira)
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«A educação pela pedra é um dos mais singulares livros de poesia escritos em língua portuguesa. A crítica assinalou, desde o primeiro momento, a densidade e o grau de exigência de um texto que suscita atenção minuciosa e pede uma leitura lenta. Em 1966, o ano da publicação, Óscar Lopes, numa recensão que publica no jornal Comércio do Porto, faz justiça à superior mestria do artefacto verbal, sublinhando a dimensão reflexiva: “A educação pela pedra é, quase poema a poema, uma obra-prima de meditação profunda e inesgotável” (10 de Dezembro).»
Carlos Mendes de Sousa, no posfácio "Dar a ver o poema"
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