Os rústicos, de Carlo Goldoni

«"Os rústicos" fornecem uma imagem nova, no corpus da comediografia goldoniana, da burguesia veneziana que serepercute em "A casa nova" e noutras comédias do triénio 1760-1762. Pouco resta nas personagens dos quatro rústicos e, em especial, de Lunardo, da exemplaridade que distinguia o Pantalone das comédias da década de 1750, quer na condução dos negócios, quer na direcção da vida doméstica. Nas personagens da peça de 1760, as posições de defesa obstinada da tradição e dos velhos costumes, assim como a rejeição de tudo o que não se quadra com o seu horizonte de valores conservadores, pondo em evidência o agora descabido menosprezo pelas aspirações e desejos dos parentes mais próximos, revelam-se constituir um risco para a harmonia familiar, tão fervorosamente preservada pelo velho Pantalone.»

Maria João Almeida, no prefácio ao II volume de "Carlo Goldoni - Pelças escolhidas".

*Tradução da peça "Os rústicos" por José Peixoto
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«MARGARITA: Quem é que convidou?
LUNARDO: Pessoas distintas, entre as quais há dois que são casados e virão com as suas patroas, e estaremos todos em alegria.
LUCIETTA (à parte): Ainda bem, ainda bem, agrada-me. (Alegre, para Lunardo:) Querido senhor meu pai, então quem são?
LUNARDO: Senhora curiosa!
MARGARITA: Veja lá, meu velho, não quer que saibamos quem há-de vir?
LUNARDO: Querem que vos diga? Então lá vai. Virão o senhor Canciano Tartuffola, o senhor Maurizio da le Strope e o senhor Simon Maroele.
MARGARITA: Cos diabos! É acertar em cheio! Um ramalhete bem escolhido.
LUNARDO: O que é que quer dizer? Não são homens com tudo no sítio?
MARGARITA : Sim, senhor. Três selvagens como vós.
LUNARDO: Ah, senhora, hoje em dia, as coisas são como são, a um homem que tem juízo, chamam-lhe selvagem. E sabe porquê? Porque as mulheres são muito livres. Não se contentam com as coisas honestas. Agrada-vos as patuscadas, a balbúrdia, as modas, as palhaçadas, as criancices. Estar em casa é como estar na prisão. Se os vestidos não custam os olhos da cara, não são bonitos. Se não têm convívios, são tomadas de melancolia e não pensam em mais nada; não têm dois dedos de testa e só ouvem o que vos vem à cabeça, e não vos faz qualquer espécie ouvir o que se diz dessas casas, de tantas famílias que se arruínam. Quem vos acompanha é vítima de murmúrios, torna-se ridículo, e quem quer viver na sua casa com discrição, com seriedade, com reputação, as coisas são como são, é um desmancha-prazeres, um rústico, um selvagem. Estou a falar bem? Acha que estou a dizer a verdade?»

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