Na selva das cidades, de Bertolt Brecht

«Brecht, que chegou às cidades “em tempo de desordem”, viu que “os homens se revoltavam” e “com eles se revoltou”. E aprendeu a não respeitar as leis e a gostar dos canalhas e das vielas, a proclamar, vaidoso, a poesia das tabernas contra o bruxulear dolente das academias, a exigir da vida a aventura ilimitada. Há neste jovem Brecht, nesta avidez, neste leitor incessante de Rimbaud, tocador de guitarra como Wedekind, um ímpeto imparável. Para este Brecht, romântico extremo e anti-romântico por ódio à expressão das almas, o teatro (como para outros, nessa altura ou depois ou ainda agora, o cinema, a pintura, a música) nasce da literatura. Por isso, este homem orgulhosamente novo e assombrado por um cio secular tem que arrombar as portas aveludadas dos palcos com a brutalidade da palavra.»
Jorge Silva Melo, "Com Bertolt Brecht. Aprender a impiedade, preparar a amabilidade"
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*Tradução da peça "Na selva das cidades", por Jorge Silva Melo, José Maria Vieira Mendes e Vera San Payo de Lemos

«SKINNY: Se a gente leu bem, isto aqui é uma loja onde se alugam livros. E a gente quer alugar um livro.
GARGA: Que género de livro?SKINNY: Grosso.
GARGA: Para si?
SKINNY: (que antes de cada resposta olha para Shlink) Não, não é para mim, é aqui para este senhor.
GARGA: Nome?
SKINNY: Shlink, negociante de madeiras, Mulberry Street 6.
GARGA: (anota o nome) Um cêntimo à semana por livro. Pode escolher.
SKINNY: Não, quem escolhe é o senhor.
GARGA: Tem aqui um policial, não é lá grande coisa. Esse é melhor, um livro de viagens.
SKINNY: E diz isso assim: este livro não presta?
SHLINK: (aproxima-se) É a sua opinião? Quero comprar-lhe essa opinião. É pouco, dez dólares?
GARGA: Dou-lha de graça.
SHLINK: Quer dizer que o senhor muda de opinião e que agora o livro já é bom?
GARGA: Não.
SKINNY: Mas com este dinheiro podia ir comprar roupa nova.
GARGA: O meu trabalho aqui é só embrulhar livros.
SKINNY: Assim afasta os clientes.
GARGA: Mas o que é que quer de mim? Não o conheço, nunca o vi.
SHLINK: Dou-lhe quarenta dólares pela sua opinião sobre este livro que eu não conheço, nem me interessa conhecer.
GARGA: Eu vendo-lhe as opiniões do mister V. Jensen e do mister Arthur Rimbaud, mas não lhe vendo a minha opinião.»

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