Malagueta, Perus e Bacanaço, de João Antônio
Sobre o autor:
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«Há algum tempo que venho
afinando certa mania. Nos começos chutava tudo o que achava. A vontade
era chutar. Um pedaço de papel, uma ponta de cigarro, outro pedaço de papel.
Qualquer mancha na calçada me fazia vir trabalhando o arremesso com os pés.
Depois não eram mais papéis, rolhas, caixas de fósforos. Não sei quando começou
em mim o gosto sutil. Somente sei que começou. E vou tratando de trabalhá-lo,
valorizando a simplicidade dos movimentos, beleza que procuro tirar dos
pormenores mais corriqueiros da minha arte se afinando.
Chutar tampinhas que encontro no caminho. É só ver tampinha. Posso
diferenciar ao longe que tampinha é aquela ou aquela outra. Qual a marca (se estiver de cortiça para
baixo) e qual a força que devo empregar no chute. Dou uma gingada, e quase já
controlei tudo. Vou me chegando, a vontade crescendo, os pés crescendo para a
tampinha, não quero chute vagabundo. Errei muitos, ainda erro. É plenamente
aceitável a ideia de que para acertar, necessário pequenas erradas. Mas é muito
desagradável, o entusiasmo desaparecer antes do chute. Sem graça.
Meu irmão, tipo sério, responsabilidades. Ele, a camisa; eu, o avesso.
Meio burguês, metido a sensato. Noivo...
– Você é um largado. Onde se viu essa, agora!
É que eu, às vezes, interrompo conversas na calçada para os meus
chutes.
Só um sujeito como eu, homem se atilando naquilo que faz, pode avaliar
um chute digno para determinadas tampinhas. Porque como as coisas, as tampinhas
são desiguais. Para algumas que vêm nas garrafas de água mineral, reservo
carinho. Cuidado particular, jeito. É doce chutá-las bem baixo, para subirem e
demorarem no ar. Ou de lado, quase com o peito do pé, atingindo de chapa.
Sobem. Não demoram muito, que ainda não sou um grande chutador. Mas capricho,
porque elas merecem.
Minhas tampinhas... Umas belezas.»
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