Histórias de amor de outros tempos
Para os dias frios deste fim do ano, a leitura de um conto oriental, acompanhada de uma
chávena de chá, só pode ser um bom conselho:
«Já são coisas do passado. No distrito de *** da província de Tamba
vivia um homem que, embora fosse do campo, tinha um coração muito sensível.
Tinha duas esposas que viviam em duas casas vizinhas. A primeira era uma mulher
da terra. Um dia, o homem fartou-se dela e deu a sua preferência à segunda
esposa, uma mulher que trouxera da capital, e a primeira esposa passou a viver
na miséria.
Ora, numa tarde de Outono, nas montanhas do Norte, que ficavam atrás
dessa aldeia solitária, ouviu-se o bramido melancólico dos gamos. O homem, que
estava em casa da segunda esposa, perguntou: “Que dizeis do lamento dos gamos?”
“Cozido, seria muito bom; grelhado, também havia de ser uma delícia!”,
respondeu ela. O homem não estava à espera daquela resposta. “É uma mulher da
capital, deve ser sensível a este género de coisas”, pensara ele. Agora, estava
desiludido. Por isso, correu a casa da primeira esposa e repetiu a pergunta:
“Que vos parece o lamento dos gamos?” E a primeira esposa respondeu:
Outrora amaste-me
como o gamo que chama a companheira,
mas hoje a tua voz está tão longe!
Ao ouvir isto, o homem sentiu-se extremamente emocionado. Lembrou-se
das palavras da segunda mulher e perdeu todo o amor por ela. Mandou-a para a
capital e foi de novo viver com a primeira mulher.
Como se vê, mesmo entre os camponeses há homens sensíveis à delicadeza
do coração feminino, e mulheres elegantes que escrevem poemas destes. E assim
dizem que tudo isto foi contado.»
“Histórias
de amor de outros tempos” precedidas de Retratos Vivos, por Pascal Quignard
(tradução: Maria Jorge Vilar de Figueiredo) 2€
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