Nós matámos o Cão-Tinhoso, faz 50 anos


No ano do seu cinquentenário, Nós matámos o Cão-Tinhoso, obra única de Luis Bernardo Honwana, tem gerado várias ações honoríficas em Moçambique, nomeadamente a criação de uma parceria entre a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) e a Universidade Lúrio, para oferecer obras literárias à Escola secundária de Nampula; uma medida de estímulo ao conhecimento da literatura moçambicana. Também na Universidade Lúrio, no passado mês de outubro, se lançou uma edição comemorativa do livro.


Publicado em inglês, no auge da guerra colonial (1969), e obtendo reconhecimento internacional desde então, este que é um dos títulos da nova edição de livros de bolso da Cotovia (constituído por mais seis contos, além do que dá nome à obra), não deixa dúvidas em relação à sua importância e intemporalidade da mensagem. Missivas tão belas à humanidade como a que está contida neste excerto-envelope do conto As mãos dos pretos:

«A minha mãe é a única que deve ter razão sobre essa questão de as mãos de um preto serem mais claras do que o resto do corpo. No dia em que falámos nisso, eu e ela, estava-lhe eu ainda a contar o que já sabia dessa questão e ela já estava farta de se rir. O que achei esquisito foi que ela não me dissesse logo o que pensava disso tudo, quando eu quis saber, e só tivesse respondido depois de se fartar de ver que eu não me cansava de insistir sobre a coisa, e mesmo assim a chorar, agarrada à barriga como quem não pode mais de tanto rir. O que ela disse foi mais ou menos isto:
                “Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver... Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para as casas deles para os pôr a servir como escravos ou pouco mais. Mas como Ele já os não pudesse fazer ficar todos brancos porque os que já se tinham habituado a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem é apenas obra de homens... Que o que os homens fazem é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos”.
                Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos.
                Quando fugi para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido.»

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