Carta para minha mãe, de Georges Simenon
«Carta para minha mãe (1974) é, mais que um título, outra excepção
que confirma a regra. Como um último espasmo de génio de alguém que se retirou
da ficção romanesca. O livro escapa às normas, tanto pelo contexto quanto pelo
poder evocativo. (…) É uma crónica da incompreensão através da história de dois
seres que nunca conseguiram amar-se por nunca terem sabido conversar. Simenon
revela-nos o nódulo do seu sofrimento, o sofrimento de um grande escritor
reconhecido por todos e em toda a parte, excepto pela sua própria mãe.»
(Pierre Assouline, Simenon:
biographie)
Sobre o Autor:
Georges Simenon nasceu em Liège, Bélgica (1903), e morreu em Lausana,
Suíça (1989). Escritor de obra extensa e variada – cerca de 400 títulos –,
desde romances “psicológicos”, contos, ensaios, escritos autobiográficos, até
aos livros de aventura que publicou na juventude, sob pseudónimos diversos. Georges
Sim, o mais conhecido desses pseudónimos, chegou mesmo a ser usado no seu
verdadeiro primeiro romance: Au Pont des
Arches (1922). É a partir de Pietr-le-Letton
(1931) que assume Simenon como apelido.
Um excerto de Carta para minha mãe, tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo:
«Agora, tens noventa e um anos. Eu estou quase a
passar dos setenta. E, entre nós, há todo este tempo passado. Foi um tempo que
te marcou? Guardaste alguma recordação das horas e dos dias?
Olhando para o teu rosto, pareces como que aliviada
por veres o fim aproximar-se.
Falei do ratinho que se esgueirava de noite pelos
pátios de Lakeville em busca do seu corpete. Durante toda a tua vida, os teus
passos foram os passos miúdos e velozes de um ratinho. Raramente te vi sentada.
E é a primeira vez, sim, a primeira vez, que te vejo deitada.
Ao olhar para o teu rosto, que mudou tão pouco,
para os teus olhos claros, de um azul acinzentado, que continuam muito vivos,
pergunto a mim próprio se o teu último suspiro não será um suspiro de alívio.
No teu quarto de hospital, há qualquer coisa que me
oprime e que, por vezes, me impede de pensar. É o silêncio que reina, um silêncio
interrompido de tempos a tempos pelo deslizar da cadeira de alguém que se vai
embora, pelos passos silenciosos de alguém que entra, pelos sussurros
constrangidos dos recém-chegados. Parece que se está numa igreja. Uma igreja de
que és o centro e onde, embora imóvel, assumes dimensões extraordinárias.
Porque tu dominas tudo, os estranhos que entram e
saem – e entre os quais talvez possa incluir-me, porque fui um estranho para ti
–, a porta que alguém empurra e que alguém volta a fechar silenciosamente, e
que deixa sempre entrar um pouco de ar fresco.»
Em Carta ao Pai, de F.Kafka, tive uma sensação de que vivi aquilo. Foi muito forte e comovente aquela Carta. Esta deve ser semelhante, pois todas as cartas de um filho ao pai ou à mãe são lamentos profundos pelo que poderia ter sido mais leve a vida deles.
ReplyDeleteFica o convite para conhecer o Clube do Crime, página dedicada ao catálogo policial da Companhia das Letras, que está republicando a obra de Georges Simenon no Brasil!
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