A Ilíada de Homero adaptada para jovens por Frederico Lourenço
Intemporais como são os clássicos, intemporal como
é o tema da humanidade, do amor, da guerra e da coragem, aqui fica um excerto
de A
Ilíada de Homero adaptada para jovens por Frederico Lourenço, com
desenhos originais de Richard de Luchi:
«- Heitor, é a tua coragem que te matará! Não tens
pena desta criança nem de mim, que depressa serei a tua viúva. Os Gregos hão de
matar-te. E para mim seria melhor descer para debaixo da terra, se de ti ficar
privada. Nunca para mim haverá outra consolação, quando tu encontrares o teu
destino, mas só sofrimentos. Já não tenho pai nem mãe: meu pai foi morto por
Aquiles, que arrasou a cidadela bem habitada dos Cilícios. Lá assassinou o meu
pai e os meus sete irmãos. Depois, vendeu a minha mãe como escrava; ela morreu
logo de desgosto. Por isso, para mim, Heitor, és pai e mãe; és irmão para mim e
és também o meu marido. Tem pena de mim e fica aqui dentro da cidade; deixa os
outros combater.
Heitor respondeu assim à mulher:
- Teria vergonha
dos Troianos e das troianas, se tal como um cobarde me mantivesse longe da guerra. Nem meu coração
tal consentia, pois aprendi a ser sempre corajoso e a combater entre os
dianteiros dos Troianos, esforçando-me pelo grande renome de meu pai e pelo
meu. Pois isto eu bem sei no espírito e no coração: virá o dia em que será
destruída a sacra Tróia, assim como Príamo e o povo de Príamo. Mas não é tanto
o sofrimento futuro dos Troianos que me importa, nem da própria Hécuba, nem do
rei Príamo, nem dos meus irmãos, que muitos e valentes tombarão na poeira
devido à violência de homens inimigos; muito mais me importa o teu sofrimento,
quando em lágrimas fores levada como escrava por um dos Gregos. Na Grécia
tecerás ao tear, às ordens de outra mulher; ou então, contrariada, levarás água
e lavarás o chão, pois não terás outra alternativa. E alguém assim falará, ao
ver as tuas lágrimas: ‘Esta é a mulher de Heitor, que dos Troianos era o melhor
guerreiro, quando se combatia em torno de Tróia.’ Assim falará alguém. E a ti
sobrevirá outra vez uma dor renovada, pela falta que te fará um marido como eu
para afastar a escravatura. Mas que a terra amontoada em cima do meu cadáver me
esconda antes que oiça os teus gritos quando te arrastarem para o cativeiro.»
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