Versos que lembram - San Juan de la Cruz
San Juan de la Cruz |
Também se pode travar
conhecimento com um poeta lendo tabuletas numa rua. Calma, não são quaisquer
tabuletas, nem qualquer rua. Voltando atrás e explicando melhor. Conheci San
Juan de la Cruz numa rua de Segóvia, nos anos 80 do século passado. A cidade,
esplêndida, dir-se-ia toda ela um poema ou uma gema engastada na desolação ocre
de Castela. Mas, arroubos poéticos aparte, há mesmo poesia concreta nas ruas de
Segóvia. Trata-se de um poema de San Juan de la Cruz, príncipe dos poetas
castelhanos, repartido em estrofes que pontuam o percurso entre os dois
conventos de Carmelitas Descalços, masculino e feminino, que o santo-poeta
fazia habitualmente para visitar Santa Teresa de Ávila, sua alma afim, por
finais do séc. XVI. Já não me recordo que poema está repartido ao longo desse
itinerário. Mas lembro-me que, entusiasmado e reconhecendo a minha total
ignorância de então em relação à poesia mística espanhola, comprei na primeira
livraria que encontrei uma antologia de poemas dos dois santos, Juan e Teresa.
Para
minha confusão, mesmo após uma segunda leitura, a poesia mística pareceu-me
explicitamente erótica. E ainda hoje não distingo bem se o amor referido nesses
poemas é divino ou humano. Porque se serve de sugestões tão carnais, que o
espírito parece ausente em parte incerta.
[…]
¡Oh noche que me guiaste!,
¡oh noche amable más que el alborada!,
¡oh noche que juntaste
amado con amada,
amada en el amado
transformada!
En mi pecho florido,
que entero para él solo se guardaba,
allí quedó dormido,
y yo le regalaba,
y el ventalle de cedros aire
daba.
El aire de la almena,
cuando yo sus cabellos esparcía,
con su mano serena
en mi cuello hería,
y todos mis sentidos suspendía.
[…]
Já
o mesmo me tinha acontecido com a leitura do belíssimo Cântico dos Cânticos. Dir-me-ão que tudo isso não passa de um
arsenal de imagens do quotidiano, mais aptas a demonstrar a união da alma com
Deus do que as áridas formulações da teologia pura e dura. Sim, pode ser que
tudo sejam alegorias — as alegorias não se fizeram para outra coisa. Mas continuo
a duvidar. Porém — seja esta poesia inocente ou pecaminosa —, do que não me restam
dúvidas é de que é poesia de altíssima qualidade. Leia-se a descrição da
escapada nocturna, furtiva, da amada ao encontro do amado, em que parece que
não há uma palavra a menos nem a mais. Começa assim:
En una noche oscura,
con ansias en amores inflamada,
(¡oh dichosa ventura!)
salí sin ser notada,
estando ya mi casa sosegada.
A.M. Pires Cabral
Vídeos
ReplyDeleteRevista do Cinema Machadense; pela TV Alterosa (SBT)
http://www.youtube.com/watch?v=msoR2iUr-8M
Livro “O Anjo e a Tempestade” e Fanzine Episódio Cultural
http://www.youtube.com/watch?v=5gyGLdnpuvQ