Versos que lembram (4) - Zbigniew Herbert
Lembram-me às vezes versos de Zbigniew Herbert, poeta polaco nascido em 1924. Não é de longa data que o conheço. Na verdade, só haverá um, dois anos que me veio às mãos uma antologia da Assírio & Alvim, com versões de poemas seus por Jorge Sousa Braga, poeta que também assina uma breve nota preliminar. Chama-se a antologia, creio que muito adequadamente, Escolhido pelas estrelas.
Como antologia que é, traz textos de diversas obras de Herbert. Fixei-me em especial na série pertencente ao livro O Senhor Cogito, que, pela amostra dos poemas e guiado pelas palavras de Sousa Braga, me parece ter muito de autobiográfico. Melhor: muito do poeta que aos cinquenta anos se vê à boca duma nova etapa da sua vida e que reflecte amargamente (mas através de uma ironia fina como lâminas) sobre o que viveu até ali e principalmente sobre o que o espera no resto dos seus dias.
Lembra-me em particular o poema “O Senhor Cogito e o poeta de certa idade”. Porquê este? Não deviam perguntar... Mas lá vai: porque é um lúcido e terrível e inquebrável espelho. E mais não digo. Deixo apenas aí fragmentos do poema que me lembra às vezes.
Um poeta passado o apogeu
é um fenómeno singular
olha-se ao espelho
e parte o espelho
(...)
observa as jovens
imita o menear das suas ancas
preside a uma reunião
de trotsquistas independentes
e incita-os a atearem incêndios
escreve
ao Presidente do Sistema Solar
cartas cheias de confidências
(...)
em lugar de cultivar
amores-perfeitos e onomatopeias
semeia exclamações de ira
invectivas e brochuras
(...)
o poeta no período incerto
entre Eros que se vai embora
e Tanatos que ainda não surgiu da pedra
(...)
ao amanhecer olha
a sua mão
surpreende-se com a pele
que parece cortiça
(…)
A.M. Pires Cabral
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