Sábado (Não se pode viver sem Goldoni)


Não têm sido especiais estes sábados, houve um de reflexão (para quê?) antes de eleições, outro houve de recuperação (depois de eleições). E agora que a vida recomeça, dizem-me da Cotovia que está prestes a sair o terceiro volume do TEATRO de Goldoni que ajudei a escolher. Este tem a Vilegiatura, obra maior do realismo, retrato de sociedade e das secretas pulsões do indivíduo dentro do grupo que abriu o teatro a esses retratos de conjunto em que Tcheckhov se iria especializar para nosso sofrimento (credo, aquelas Três Irmãs que vi recentemente no Nacional, que pinderiquice, que piroseira!). Goldoni, veneziano, é, para o teatro, aquilo que Rossellini foi para o cinema: descobriu que num palco tudo cabe, chávenas, café, sombrinhas, férias, letras cambiais, contratos matrimoniais, testamentos, tudo o que faz a vida. Ele que disse "tudo pode ser teatro". Tudo, inclusivamente o fim da tarde sobre uma sociedade. Na Trilogia antevemos não apenas os grandes russos, como Lampedusa, as cortinas esvoaçando à brisa do Mediterrâneo, o cheiro a alfazema dos quartos das raparigas, o suor da tardes de verão, o tédio que haveria de fazer nascer, daí a pouco, o romantismo. Pois é, não se pode viver sem Goldoni. E estes três volumes, na ausência de palcos que os respeitem, hão-de durar o tempo de uma vida, esperando as vozes dos actores, as luzes límpidas dos projectores, a seda, o algodão, os corpos. Mas farão as noites tranquilas dos homens de boa vontade. Se ainda for possível sê-lo.


Jorge Silva Melo

O terceiro volume de "Peças escolhidas" de Goldoni vai ser publicado pela Cotovia no final deste mês.

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