Sábado (s/d)


 Sempre achei graça ver nos livros e nas fichas aquele s/d (“sem data”) que tanto incomoda historiadores, investigadores, esses. Seria um descuido, talvez. Mas que data colocar ao Estranho Caso de Angélica de Manoel de Oliveira, agora estreado e meticulosamente pensado há 60 anos? É um filme de hoje em dia? Ou de há décadas? Ou, como fez tantas vezes o Ângelo de Sousa com as suas esculturas (por ex. a da Avenida da Boavista), terá duas datas? Costumávamos ter esse problema na literatura, em que, de vez em quando, a abertura de uma arca, a indiscrição de um amigo, a cupidez dos herdeiros traziam a lume inéditos, coisas póstumas e até autores inteiros (Kafka) ou quase (Pessoa...). E até no teatro, essa prática que parece esgotar-se com os dias, basta pensar na Jornada Para a Noite  de O´Neill, que estreou, deslocada, na Suécia, três anos depois da morte do autor. Ou Woyzeck,  póstumo, inacabado e, no entanto, gerador de todo o futuro. Revejo agora as provas de “Ella”  e “Splendid´s”, dois dos inéditos de Jean Genet a serem publicados daqui a dias nos Livrinhos de Teatro. Porque ficaram inéditos estes textos? Eram menores? Desleixo? Insatisfação? Pois é, nunca saberemos. Mas sabemos, afinal, que aquilo que ficou na gaveta durante a ditadura não foram os grandes romances que ainda não temos (Mas, quem sabe? O futuro descobrirá arcas?), são os filmes que não foram feitos (Angélica...,) , as esculturas que não houve dinheiro para fazer (Manuel Baptista agora na EDP como Ângelo de Sousa há uns anos na Cordoaria), nem mundo para recolher. A nossa história das artes vai complicar de vez, daqui a uns tempos, tudo terá duas datas, partos de cinquenta anos, ou mais. Depois me dirão.


Jorge Silva Melo

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