Longo, prolixo, sem uma boa história para contar

Depois de uns quinhentos anos de barbárie, os brasileiros finalmente descobriram o que é um bom texto literário. É quase unanime entre críticos, comentaristas culturais, escritores de boa comunicação com seus leitores, o mercado editorial – a coisa mais importante que existe na vida é o dinheiro - que um bom texto literário deve ser enxuto; não pode usar mais palavras do que aquelas estritamente necessárias; deve ser limpo; deve ter uma boa história de fácil entendimento, com começo, meio e fim; deve ser leve e nunca cansar o leitor; deve ser escrito para o máximo possível de pessoas e não apenas para o próprio umbigo do autor ou para seus colegas intelectuais de bar; deve fugir de experimentalismos que dificultam a compreensão; deve ser igual aos textos de Machado de Assis, que é o único grande autor que o Brasil produziu até hoje.

Estou sofrendo muito. Tenho muita dificuldade para escrever bem. Tenho muita dificuldade para escrever um texto enxuto, com uma boa história que tenha começo, meio e fim claros e uma leve ironia machadiana.

Ai, que angústia!

Eu começo a escrever usando a palavra “eu” e logo penso na morte, na extinção desse “eu” e já quero explicar tudo, todas as coisas que existem, tudo o que “eu” penso sobre todas as coisas que existem e começo a escrever de um jeito que só “eu” poderia escrever, porque escrever literatura é fazer arte e arte é uma coisa muito individual, muito egocentrada, já que um trabalho de arte é um troço único, que exige uma estética, uma linguagem quero dizer, única, diferente da estética, da linguagem, dos outros artistas, dos outros escritores quero dizer, pois se um texto de um “eu” qualquer segue o padrão estético, literário quero dizer, do Machado de Assis, ou o padrão literário das normas de escrever bem, digo, o resultado seria um texto produzido pelo pensamento estético, literário quero dizer, do Machado de Assis, ou pelo pensamento estético, literário quero dizer, de todo mundo que escreve bem, que escreve certo, que escreve segundo a unanimidade dos críticos, comentaristas culturais, escritores de boa comunicação com seus leitores, o mercado editorial – a coisa mais importante que existe na vida é o dinheiro - e não o pensamento estético, literário quero dizer, desse “eu” único, com um pensamento único, manifesto de forma única, arte individual e não cultura da unanimidade, embora “eu” preferisse escrever para a maioria das pessoas, dos leitores quero dizer, dos críticos quero dizer, da unanimidade quero dizer, de todo mundo que é igual, que é cultural, do mercado – o dinheiro é a coisa mais importante que existe nessa vida – e ganhar um dinheiro, que é a coisa mais importante que existe nessa vida, e ser elogiado por ter um texto conciso, enxuto quero dizer, que atinja o máximo possível de pessoas, de leitores quero dizer, e ganhar uns elogios de quem realmente entende de textos bem escritos, textos enxutos quero dizer, e ser amado melhor dizendo.        


André Sant’Anna
  

Comments

  1. Dóris Graça-DiasApril 1, 2011 at 7:07 PM

    "o dinheiro é a coisa mais importante que existe nessa vida". O resto é literatura. Bom, espere, acho que não é bem assim. Prontos...

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