Sonhos em Ponte de Lima

Deve ser isto a globalização. Descobrir um provérbio russo num romance inglês lido em Ponte de Lima. “Comete um pecado duas vezes que já não parece pecado.” Só depois de fechar o livro é que percebi realmente a frase. Nesse sentido, a literatura é como a vida: apanha-nos tantas vezes do nada, no escuro. “Comete um pecado duas vezes...” Não sei se se trata mesmo de sabedoria russa ou se é um aforismo certeiro de James Wood, autor deste “The Book Against God”. Só sei que a frase se acende sempre que, à noite, pé ante pé, regresso à cozinha para comer mais um sonho, uma rabanada, outro bolo de jerimu. “Comete um pecado duas vezes que já não parece pecado” O livro, uma ficção arriscada por um conhecido crítico literário, conta a história de um filósofo mentiroso, e fala de homens e mulheres, pais e filhos, morte e Deus, num estilo cómico rigorosíssimo. Qualquer coisa parecida com um sonho - desses que comemos no Natal. Aparente leveza na forma, “assunto sério” cá dentro. Mas, não, não falemos de literatura. Vamos antes para a cozinha atacar as últimas jóias. A brincar, a brincar, talvez esteja aí a saída portuguesa para a crise, não? Tornarmo-nos um grande produtor de sonhos.

Jacinto Lucas Pires

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