Eugenio Montale e Fim de 68

Eugenio Montale por serena Maffia

Às primeiras horas da madrugada do primeiro dia do novo ano, e dando comigo a passar revista indolente à biblioteca de um amigo que me acolhia em sua casa, resolvi espreitar uma colecção de poemas de Eugenio Montale. Abrindo o livro a meio, completamente ao acaso, quis a sorte mostrar-me um poema elegíaco sobre – justamente! – uma passagem de ano. Montale, então correspondente do Corriere della sera, medita sobre a passagem do velho e conturbado ano de 68, o do estertor do Vietname, dos movimentos estudantis e sindicalistas, do terrorismo italiano, para o ano de 69, o da chegada do Homem à lua. E é já, prospectivamente, da lua, esse novo planeta, que o poeta genovês, aqui, e, não obstante o apelo lunar, já muito pouco hermético, observa este nosso velho e modesto planeta, com um olhar serenamente distanciado, retirado, repleto de resignado qualunquismo, o termo com o qual os seus críticos aludiam à sua alegada distanciação do quase obrigatório comprometimento político da época, em claro contraponto com o exemplo máximo de Pasolini.
Na verdade, mais tarde, no seu poema apologético ao seu amigo Malvolio, incluído no seu quinto livro de poemas, Diario del ’71 e del ‘72, intitulado “Carta a Malvolio”, Montale vai rectificar este seu aparente eremitério (Não foi nunca uma questão de fuga, Malvolio//(…) mas apenas de um respeitável/manter a distância.), justificando-o em razão do “oxímoro permanente” de honra e de indecência (Com que habilidade misturaste/materialismo histórico e pauperismo evangélico,/pornografia e redenção) num claro diálogo com aquilo que o poeta observa neste modesto planeta, e que resulta no desencanto apartado que produz estes dois hexásticos de ‘Fine del 68’, quiçá por cada um dos doze meses do ano findo.  

Fine del 68
Ho contemplato dalla luna, o quasi,
il modesto pianeta che contiene
filosofia, teologia, politica,
pornografia, letteratura, scienze
palesi o arcane. Dentro c'è anche l'uomo,
ed io tra questi. E tutto è molto strano.
Tra poche ore sarà notte e l'anno
finirà tra esplosioni di spumanti
e di petardi. Forse di bombe o peggio,
ma non qui dove sto. Se uno muore
non importa a nessuno purché sia
sconosciuto e lontano.

Fim de 68
Contemplei da lua, ou quase,
o modesto planeta que contém
filosofia, teologia, política,
pornografia, literatura, ciências
exactas ou arcanas. Nele há mesmo o homem,
e eu entre eles. E tudo é muito estranho.
Dentro de poucas horas será noite e o ano
terminará entre explosões de espumantes
e fogos de artifício. Talvez de bombas e coisas piores,
mas não aqui onde estou. Se alguém morre
ninguém se importa desde que seja
desconhecido e longe.


 Daniel Jonas

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