Memorial de Aires, de Machado de Assis
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A noite passada estive em casa da viúva Noronha, quase que a sós com ela; havia mais o tio, um colega da Relação e uma parenta velha. Tristão fora a Petrópolis, levado pelos padrinhos até à barca da Prainha, e por mim que os vi passar na Rua da Quitanda, e subi ao carro convidado por eles. Não lhe ouvi então o motivo da ida a Petrópolis, mas já o sabia de véspera; foi examinar uma casa para o noivado. Concluí, não sei porquê, que eles ficavam morando aqui.
Posso dizer que verdadeiramente fiquei a sós com ela. Tendo ouvido ao tio que a sobrinha andava com saudades do velho amigo, - que sou eu, - imaginei que era mentira; o tio queria parceiro para cartas. Não fui e acertei; a parenta foi ao voltarete com os dous magistrados.
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- Cartas políticas não vieram?
- Parece que vieram.
Li e louvei muito a carta da paulista, que achei efectivamente terna, ainda que derramada, mas ternura de mãe não conhece sobriedade de estilo. Era escrita à própria Fidélia.
Vendo que esta gostava da conversa, não lhe pedi música; ela é que foi de si mesma tocar piano, um trecho não sei de que autor, que se Tristão não ouviu em Petrópolis não foi por falta de expressão da pianista. A eternidade é mais longe, e ela já lá mandou outros pedaços de alma; vantagem grande da música, que fala a mortos e ausentes.»
Memorial de Aires, de Machado de Assis
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