Tuiuiú


Gosto que eu tenho ascendente em aquário porque minha irmã tem sol em aquário, mas ela tem ascendente em gêmeos, como nossa mãe, que tem sol em gêmeos; nossa mãe tem lua em aquário, e por algum tempo nós vivemos as três juntas sem mais ninguém, três mulheres, três aquários, um gato e um cachorro. Eu tenho lua em escorpião e meu pai tem lua em escorpião. Tenho também sol em escorpião como o pai do meu pai, e nasci exatamente no dia antípoda que a mãe da minha mãe e o avô do meu pai nasceram (eu, seis de novembro; eles, seis de maio). Cavando fundo o bastante no calendário, você chega do outro lado: meu bisavô e minha vó, a China de mim. Meu bisavô era casado com minha bisavó Luísa, e tiveram uma filha chamada Esther (minha vó), que teve uma filha chamada Laura (minha tia), que teve uma filha chamada Luísa (minha prima). Do outro lado da família, tenho uma tia chamada Ester que teve uma filha chamada Laura (minha outra prima). Minha tia Ester faz aniversário no mesmo dia que meu avô, Marcos, que era casado com a minha avó, Esther, que faz aniversário no mesmo dia que meu tio Daniel, que é casado com a minha tia Ester. Meu avô paterno se chamava Marcos e meu avô materno, Carlos. Carlos e Marcos são nomes idênticos do outro lado do espelho e, no entanto, acho que eles não se gostavam. Minha outra avó era francesa então não sei por que seu nome era Maria José. Ela tinha uma irmã chamada Madeleine e uma irmã chamada Françoise. A Françoise foi convocada para o exército brasileiro quando completou 18 anos, porque acharam que Françoise era nome de homem. Das três irmãs, uma era talvez lésbica.
Minha mãe quando nasceu tinha uma irmã gêmea chamada Lucia, que morreu com poucos dias de vida. Faz mais de vinte anos que minha mãe ficou muito amiga de uma outra Lucia, e como elas permaneceram muito amigas esse tempo todo, a Lucia é uma tia para mim e para a minha irmã, como a Lucia, irmã da minha mãe, teria de fato sido.
Minha mãe e os irmãos dela têm todos nomes italianos (o mais novo é Luciano); a amiga dela Lucia é italiana de fato. O pai da minha mãe, que era provavelmente romeno, foi adotado por um italiano chamado Temístocles, que gostava de comer alcachofras (meu avô Carlos, pai da minha mãe, tinha uma irmã biológica de quem foi separado muito cedo e que nunca mais reencontrou — ele foi adotado por uma família, ela, por outra. Os dois morreram sem saber que foi a família estendida do meu pai que adotou a irmã do meu avô materno. Ela teve dois filhos, uma é cientista, um ficou rico). O pai da amiga da minha mãe Lucia, apesar de ser italiano, era parte russo. Como o pai do meu pai. Quando um antepassado da mãe do meu pai imigrou da Rússia para o Brasil, decidiu assumir o nome Russovsky. Como se quisesse mostrar para o mundo que a nostalgia era sua característica definidora. 
Minha irmã é cantora. Nossa tia-avó Madeleine, que nunca conhecemos, era regente de um coro, onde minha avó, Maria José, cantava. Madeleine regia com os pés descalços. Meu bisavô Maurício só descobriu na escola que seu pai não era seu pai: a professora estava fazendo a chamada e ela falou um sobrenome estranho olhando para ele, então ele não respondeu. A professora insistiu que aquele era seu nome, e foi com essa insistência que ele soube que seu sobrenome não era o mesmo que o do homem que o criava, a quem ele sempre havia chamado de “pai”. Ele saiu correndo da escola assim que a aula acabou, correu o caminho inteiro até em casa e, ainda correndo, entrou tão rápido pela porta que quebrou o ombro quando esbarrou no final do corredor, batendo-o na quina da parede. Quando ele já era adulto, foi em busca de seu pai num asilo paupérrimo no norte da Argentina, e encontrou um velho romeno que era provavelmente quem ele buscava. Estava cantando quando meu bisavô chegou, conta-se que tinha uma voz linda. 


Imagem de Deborah Salles



Sofia Nestrovski nasceu em São Paulo, em 1991. Cresceu no meio do milharal dos Estados Unidos, voltou para São Paulo mais tarde. Faz mestrado sobre o poeta William Wordsworth na Universidade de São Paulo, dá cursos sobre Shakespeare, assina uma seção semanal sobre palavras no jornal Nexo, escreve resenhas para a revista Quatro cinco um. Também luta Kung Fu, mas não muito.















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