Mata-Borrão





Vi lá de cima Estremoz

Nem mesmo as freiras, de imaginação farta, se lembrariam de acrescentar o túmulo ao toucinho de céu, às gargantas de frade, aos canudos celestiais e aos papos de anjo, para celebrar em ovos e amêndoa D. Pedro e D. Inês. No entanto, uma pastelaria de Alcobaça vende o produto, aliás com sucesso.
Pode encontrar-se uma estátua de um percebe em Vila do Bispo, uma outra da batata-doce em Aljezur, a de um leitão na Mealhada, várias de frangos, na Guia.
Um longo cardápio de festivais cobre o país. Num deles, dizia-me um homem que vendia cogumelos na banca onde se lia o nome da aldeia que os representava “A cereja foi para estes, a gente teve que se agarrar aos cogumelos”. Era no festival da cereja do Fundão, tema ao qual me dediquei por uns anos. Também aqui, dentro de uma tenda que servia almoços, uma mulher local, vendo-me como sendo de fora, se aproximou, com uma chouriça na mão. Entusiasmada, segredava-me “coma, coma que é gourmet”. Um dos cartazes, que se via ao longe, rezava: engardunha-te. A aldeia situa-se na serra da Gardunha e o tempo verbal ordena qualquer coisa ao visitante. O visitante pasma-se, desobedece e não se engardunha.
A grande mesa autárquica cumpre etiquetas como outra mesa qualquer. Anfitrião, convidados, mais velhos e mais novos, dá-se a direita e a esquerda, cuida-se de não sentar ao lado quem não gosta de quem.
Estes fenómenos materializam-se também em algo que jamais teria passado pela cabeça dos nossos doutos geógrafos e políticos de antanho, sempre que lhes ocorreu dividir administrativamente o país. Refiro-me às capitais. Se o Rio de Janeiro e Angra do Heroísmo já detiveram essa designação, cabe agora ao presunto, à cereja, à castanha, ao cabrito, ao queijo, ao fumeiro, figurar com tal importância.
Vem isto a propósito de uma letra que compus para celebrar a nova aquisição de património que nos foi concedida. Pode e deve cantar-se com uma toada de pene-planície.

A esvoaçar num falcão
Comendo côdea de pão
De importante dieta
Vi lá de cima Estremoz
E um oleiro magano
Enquanto cantava o fado
Ouvia eu outra voz
A do cante alentejano
Mas que linda é esta voz
Vi lá de cima Estremoz
Bisalhães é outra loiça
Que agora foi premiada
Negros pratos e panelas
Para que toda a gente oiça
Esta grande novidade
Não são minhas nem são tuas
Pertencem à humanidade
Que dirão nossos avós
Vi lá de cima Estremoz


Maria João Forte é Socióloga 

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