Max e René. Um monólogo e um cão # Fim

Funeral
MAX 1 a 12 no funeral.
MAX 12 Estou aqui reunidas para te despedires do amor. René era o amor. E nisso era tudo. É um dia triste, este. O primeiro dia triste desde que chegámos à selva. Perdeste o que te deu vida e existência. Desaparecemos, devagarinho, aos poucos. Perdi braços e pernas, tronco, em breve tudo. Voltaste a ser invisível. Este é o tempo das lágrimas.
Todxs uivam.
MAX 12 Podias contar a história do que estamos a sentir neste momento. Mas essa história só podia ser contada se a René aqui estivesse para a interromper e para a roubar. Fico então calado a recordar. Foi ela que vos deram mais gramáticas e o silêncio e a selva. E isto à vossa volta, cheio de nomes, cheio de verdes, tudo denso, tudo verde. Nunca mais serei invisíveis, nunca mais serás intactas. E por isso, nesta clareira, despeçam-se. Em nome de René, uive-se.
Todxs uivam.

Regresso
MAX, olhos nos olhos

MAX Olham a paisagem. Foi nela que me perdemos. É a paisagem que me desfaz todos os dias e diz o nosso nome. E os estilhaços procuram a vida e existem. Obrigada por me darem contexto e existência. Sem vós eu não seríamos o mesma. Mesmo que me roubes, amor, e nos desfaçam e te transformem em estilhaços, sem nós vós não seria. É isto. E não sei como agradecer. Estou de volta. Chegaste a casa. É este o mundo em que queres viver. Trago tudo contigo. O monólogo não chegou ao fim. Vamos comer a sopa.




José Maria Vieira Mendes escreve maioritariamente peças de teatro e faz traduções ocasionais. É membro do Teatro Praga desde 2008. As suas peças foram traduzidas em mais de uma dezena de línguas. Para além de edições de peças nos Livrinhos de Teatro Artistas Unidos, publicou Teatro em 2008 (Livros Cotovia), Arroios, Diário de um diário em 2015 (edição Duas páginas) e, em 2016, um ensaio (Uma coisa não é outra coisa) e uma compilação de peças (Uma coisa), ambos pelos Livros Cotovia.


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