Max e René. Um monólogo e um cão #1


Ao ritmo semanal publicaremos no blogue da Cotovia a mais recente peça de José Maria Vieira Mendes, Max e René. Um monólogo e um cão.

MAX E RENÉ
Um monólogo e um cão


Para xs DDP
“I am not what I am”, diz Iago em Othello


Partida

MAX 1 vestidx de Max

MAX 1 O meu nome é Max e mandaram-me para o quarto sem jantar, sem sopa, sem nada, eu sozinha sem reflexo e sem representação e desapareço. Max não existe. Estou como num buraco, escuridão em redor. Tipo... Não tenho pronome. Não há nenhum que faça sentido para isto que sou. Tipo... Nada concorda, a gramática não me serve e desfaz-se à minha frente e eu sinto-me irreconhecível porque ninguém me fala. Não é possível continuar a viver nesta solidão sem palavras. Perco visibilidade e as pessoas vão contra Max na rua porque não me veem. E se me perder? Como é que se encontra o invisível?! É monstruoso. Não me entendem, não me veem e faz-se como se não estivesse aqui, mas eu estou aqui! Olhem para mim aqui! Este corpo está aqui!

Não mereço isto. A sério... Nada me contempla: o dicionário, a gramática, os outros, os livros, os nomes, a biologia, nem sequer um espelho, nada contempla Max. E não se vê saída para isto. Não há, porque não depende de mim. É inacessível! Sou regulada por um monstro sem cabeça que me exclui porque não é capaz de enquadrar a minha liquidez, não é capaz de enquadrar a minha velocidade, o meu movimento, a minha imaterialidade... a dele... a dela... a vossa... a minha...  a tua... a sua... Ah! Não funciona!! Quero morrer! Mas nem sequer isso posso porque já estou morto! Se ninguém me fala, ninguém me vê, estou morta. Isto é horrível! Tipo... Viver sem existir. Fiquei de fora. Tipo... Esta minha identidade não é nada, Max não tem existência, isto que aqui está agora não tem existência e é assustador, mete medo, estou com medo.
Entra MAX 2 vestidx de MAX
MAX 2 Trouxe-vos um cão.
MAX 1 Desculpa?
MAX 2 Trouxe-nos um cão.
MAX 1 Quem és tu? De onde é que apareceste? Pensei que estava aqui sozinha.
MAX 2 Max, prazer. Trouxe-te um cão para o medo.
MAX 1 Um cão?
MAX 2 Sim, um cão. Um cão tem olhos. E olfato. E não tem esta gramática. Pode reconhecer-nos. Pode ser a minha salvação, quem sabe. Max arranjaram um cão.  
MAX 1 Tu és Max?

(continua)



José Maria Vieira Mendes escreve maioritariamente peças de teatro e faz traduções ocasionais. É membro do Teatro Praga desde 2008. As suas peças foram traduzidas em mais de uma dezena de línguas. Para além de edições de peças nos Livrinhos de Teatro Artistas Unidos, publicou Teatro em 2008 (Livros Cotovia), Arroios, Diário de um diário em 2015 (edição Duas páginas) e, em 2016, um ensaio (Uma coisa não é outra coisa) e uma compilação de peças (Uma coisa), ambos pelos Livros Cotovia.


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