Ornamento e crime, de Adolf Loos


«Não, não, o ser humano não é uma besta. As bestas amam — amam de um modo simples e como a natureza determina. Porém, o Homem maltrata a sua natureza e a natureza maltrata o Eros que há em si. Nós somos bestas — bestas que foram encurraladas; bestas a quem é negado o alimento; bestas que têm de amar por decreto. Somos animais domésticos. Se o Homem tivesse permanecido besta, o amor só entraria no seu coração uma vez por ano. Porém, a volúpia reprimida a custo faz-nos estar permanentemente predispostos para o amor. Fomos traídos pela Primavera. Essa volúpia não é simples, mas complexa; não é natural, mas 'anti natura'.

Esta volúpia pouco natural surge de forma diferente em todos os séculos, em todas as décadas, até. Ela anda no ar e tem um efeito contagiante. Não tarda em propagar-se como uma praga que não se consegue evitar; logo se espalha por todo o lado como uma epidemia secreta e as pessoas que forem acometidas por ela sabem escondê-la umas das outras. Os flagelantes não tardarão a percorrer o mundo e as piras transformar-se-ão em festas populares; a sensualidade não tardará em recolher-se nos recantos mais secretos da nossa alma.»
Ornamento e crime, de Adolf Loos
(trad. Lino Marques)


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