Em breve, na Cotovia

Edição de bolso de O Quarto de Jacob, de Virginia Woolf, e reedição de Cassandra, de Christa Wolf:


«O quarto de Jacob tinha uma mesa redonda e duas cadeiras baixas. Um frasco pousado na cornija da lareira com flores amarelas; a fotografia da mãe; cartões de sociedades com pequenos crescentes em relevo, brasões e iniciais; notas e cachimbos; em cima da mesa estava papel com uma margem traçada a vermelho – um ensaio, sem dúvida – ‘A História consiste das Biografias das Grandes Figuras?’ Havia muitos livros; muito poucos livros franceses; mas uma pessoa que se preza lê aquilo que quer, conforme lhe apetece, com extravagante entusiasmo. Por exemplo, Vidas do Duque de Wellington; Espinosa; as obras de Dickens; a ‘Faery Queen’; um dicionário de grego com acetinadas pétalas secas de papoila guardadas entre as páginas; todos os isabelinos. Os chinelos de Jacob estavam incrivelmente coçados como se fossem barcos queimados até à superfície da água. E havia fotografias dos Gregos e uma meia-tinta de Sir Joshua – tudo muito inglês. Havia também as obras de Jane Austen em deferência, talvez, aos gostos de outro. Carlyle fora um prémio. Havia livros sobre os pintores italianos da Renascença, um ‘Manual das Doenças dos Cavalos’ e os livros de texto habituais. Num quarto vazio o ar é desatento, apenas enfolando a cortina; as flores estremecem no frasco. No cadeirão de palha uma fibra geme, embora ninguém lá esteja sentado.»


O Quarto de Jacob, de Virginia Woolf (trad. Maria Teresa Guerreiro)


*
«Agora a minha curiosidade, voltada também para mim própria, libertou-se totalmente. Quando percebi isto, soltei um grito, durante a travessia, eu como todos num estado miserável, moída do mar agitado, molhada até aos ossos do espumejar das ondas, incomodada com o choro e os cheiros das outras troianas sempre hostis para comigo, porque todas sabiam quem eu era. Nunca me permitiram que me misturasse com elas, quando eu quis já era tarde, porque na minha vida anterior tudo tinha feito para ser conhecida. Recriminarmo -nos a nós próprios também só serve para impedir que as perguntas importantes ganhem forma. Agora, a pergunta crescia como o fruto na casca, e quando se soltou e apareceu diante de mim dei um grito, de dor ou de prazer:
Porque havia eu de querer o dom da profecia?»

Cassandra, de Christa Wolf (trad. João Barrento)


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