Uma metafísica secular (1)

Wallace Stevens

Wallace Stevens (1879-1955) encarna exemplarmente o drama da linguagem que haveria de atravessar o século xx, deixando-nos numa encruzilhada da qual talvez não haja solução à vista. A sua escrita é o produto de uma tensão constante entre imaginação e realidade.
Sabemos como os modernos, procurando expurgar a subjectividade do poema, procurando refazer o navio Argos da linguagem poética através de uma reflexividade e de uma distância cuja intensidade não encontra precedente apreciável, nos deixaram perante a impossibilidade em considerarmos a linguagem na sua pura referencialidade. A linguagem não é espelho do mundo. A linguagem é mundo. Com ela não nos limitamos a exercer a profissão de fé que consiste na apropriação semântica do que nos rodeia sob o nome de descrição. A poesia nunca é descrição (ainda que ela mantenha um flirt irónico com a descrição). Foram os modernos que nos permitiram compreender isto através de uma prática que se ajusta àquilo que a filosofia da linguagem irá, também ela, reiterar, sobretudo a partir da suspeita nietzscheniana em relação à verdade que a linguagem encerra, ou, de outro modo, e a usar uma expressão que se tornou canónica nas últimas décadas do século xx, a partir do momento em que passámos a recusar a comensurabilidade tácita entre linguagem e verdade.
Stevens é também um poeta moderno, no sentido em que interroga, através de um estratégia elíptica, esta conturbada tensão entre linguagem e verdade, entre poesia e verdade, em suma, e a usar a matriz vocabular mais constante na sua produção poética e ensaística, entre imaginação e realidade.
Para Stevens a poesia é o princípio sem o qual o poema não poderia acontecer, e o princípio através do qual a linguagem se medita e se sonha. Em O Homem da Guitarra Azul & Outros Poemas (1937), e sobretudo no poema “O Homem da Guitarra Azul”, vários são os elementos que nos sugerem esta inflexão reflexiva e onírica que a linguagem assume ao longo do seu percurso. Estamos perante uma concepção do poema em que este provém de algo que o excede, e que ele, na sua dimensão artefactual e linguística, não espelha senão de forma indirecta. Melhor seria dizer que o poema refracta a poesia, que ele é uma modalidade do mundo e da experiência do mundo.

Luís Quintais

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